quinta-feira, julho 05, 2007

Festa alternativa




Uma Flip às avessas. Assim é a Flap!, evento criado há três anos por um grupo de jovens escritores com objetivo de abrir um novo espaço de discussão sobre literatura sem foco em grandes estrelas, ou autores-celebridade. Na edição de 2007, que aconteceu nos dias 29, 30 de junho e 1º de julho, em São Paulo, a Flap! discutiu as mais variadas fontes de contaminação da literatura hoje, o diálogo entre literatura e sala de aula, o intercâmbio com outras manifestações artísticas e a relação de nossa literatura com a dos países latino-americanos.
Apesar de a abertura do evento ter sido marcada por uma leitura de poesia contemporânea na Casa das Rosas, os organizadores ressaltam que a Flap! não se restringe à poesia. O evento busca um sentido mais amplo, mantendo o compromisso de tratar a poesia com a mesma importância e destaque que os demais gêneros.

Em clima de descontração, como uma grande turma de amigos, escritores e interessados em literatura acompanharam as cinco mesas de debates no Teatro Satyros, localizado na Praça Roosevelt, centro de São Paulo, região que está sendo revitalizada pela nova cena teatral e por diversos eventos literários que acontecem em torno do Sebo Bactéria, ponto de encontro no local. Anselmo Luis, o Bactéria, responsável pelo sebo, participou de um dos debates, lembrando os efeitos positivos da literatura pela região: "A arte tem feito coisas muito bacanas para a Praça Roosevelt", afirmou ele, que tem contribuído para arejar as prateleiras de livros com novos autores lançados pela sua coleção Bactéria.
Sobre as influências que exerce e recebe a literatura hoje, o escritor Marcelino Freire foi enfático: "Quero que todas as coisas me contaminem, quero que minha literatura esteja em todos os lugares". Para ele, os escritores devem estar atentos o tempo todo. O poeta Glauco Mattoso também falou sobre contaminação na obra literária, observando que acredita que, em seu caso, ela se expressa de maneira mais particular, na forma e conteúdo. Autor de mais de 1.400 sonetos, no início achava que o gênero não comportaria muitas mudanças. Até que percebeu que poderia "contaminar" o soneto, mantendo sua base formal, mas solapando o conteúdo, dialogando com toda a realidade política, social e até pornográfica. "O soneto é um excelente laboratório para a experimentação", explicou.
A relação de teatro, cinema e quadrinhos com a literatura também foi abordada durante a Flap!. Num bate-papo entre Alberto Guzik, Mario Bortolotto, ambos escritores e dramaturgos, e o escritor e cartunista, Lourenço Mutarelli, foi unânime a opinião de que, apesar do artista sofrer a influência contínua de filmes, música, artes plásticas e "das coisas da vida", o livro continua sendo a grande referência para a criação. "O livro é mais rico", explicou Bortolotto.

Relações com a Academia e a sala de aula

A literatura no universo escolar e acadêmico fez parte da pauta. No caso específico das universidades, houve durante os debates uma forte crítica à postura de distanciamento da Academia com a produção contemporânea, à sistemática de focar as pesquisas apenas em autores mortos. Antonio Vicente Pietroforte, escritor e professor do departamento de Lingüística da Faculdade Letras e Ciência Sociais da USP, explicou que, no entanto, lentamente o intercâmbio dos estudos acadêmicos com a nova produção vem acontecendo, e citou o interesse de seus alunos pelo tema, que reflete em pesquisas sobre os autores e obras da nova geração.
Professores de escolas públicas falaram sobre o desafio que é ensinar literatura para jovens que muitas vezes não têm qualquer tipo de estrutura ou referência familiar que facilite o acesso à leitura. Mas apontaram algumas experiências bem sucedidas no uso de autores contemporâneos para o trabalho com os alunos, pela proximidade que se pode estabelecer entre o escritor e o leitor, resultando num estímulo maior aos estudantes.
O mercado editorial de livros infanto-juvenis também esteve na berlinda. Algumas obras disponíveis hoje preocupam por apresentar um conteúdo em função de determinada necessidade pedagógica, feitos sob encomenda para abordar valores, o que traria perdas em termos de literatura.

Vida de escritor e relações com o continente

É possível sobreviver da literatura? A questão só é uma dúvida para quem não trabalha nesse mercado. A conclusão foi logo apresentada - é preciso fazer outras coisas para sobreviver. Os escritores presentes atestaram de pronto: viver somente de literatura é muito difícil. A escritora Andréa del Fuego, que tem três livros lançados, conta que precisa fazer "bicos", outros trabalhos como colaborações para publicações. "Não vivo de literatura", explica. Santiago Nazarian, com quatro já livros publicados, também afirma que precisa trabalhar em outras coisas para pagar suas contas no fim do mês. Ele faz traduções, roteiros para o cinema e também algumas colaborações para revistas. Mas garante que esses trabalhos contribuem de forma positiva, e que, ao contrário do que alguns possam achar, não o afastam de sua literatura.
A Flap!2007 também abordou o distanciamento ainda significativo entre a literatura brasileira e a dos demais países latinos na América. Há uma espécie de "Muro de Tordesilhas" entre as obras de língua portuguesa e espanhola, explicou Vanderley Mendonça, um dos sócios da editora Amauta, com foco em literatura latino-americana.
O poeta uruguaio Alfredo Fréssia, que vive no Brasil há muitos anos, afirmou que hoje o público leitor na região Mar del Plata lê mais a literatura brasileira do que há 50 anos. Mas ele destaca que ainda é preciso trabalhar muito para um real intercâmbio entre as literaturas. O escritor mato-grossense Joca Terron concorda que já existe um diálogo maior entre as produções contemporâneas desses países.
No encerramento da Flap!2007, o escritor Marcelo Mirisola leu texto com duras críticas à Festa de Paraty. Dentro da proposta desta Flip às avessas, até que fez sentido.
(Priscilla Brossi Gutierre)

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