quarta-feira, abril 25, 2007

A Revolução dos Cravos, em Portugal, foi há 33 anos

Os portugueses assinalam o 33. aniversário da Revolução dos Cravos – o 25 de Abril de 1974 -, quando Portugal acordou em democracia, com o derrube do regime de ditadura que, durante 48 anos, oprimiu o povo português. Foi a 25 de Abril de 1974 que se deu a Revolução dos Cravos. Um movimento militar, com apoio popular, que devolveu a liberdade aos portugueses e abriu o processo de descolonização. Abriam-se para os portugueses as portas da democracia e, para os povos colonizados, que lutavam contra o regime colonialista e fascista, a independência e o início de novas etapas históricas.

terça-feira, abril 24, 2007


"já não se fazem manhãs
como antigamente
as manhãs precedias os dias
durante dias
e assim permaneciam
por todas as manhãs

as manhãs não tinham manias
alvoreciam sem artimanhas
amanhecer
único dever das manhãs

hoje as manhãs
são simples manhãzinhas
comediadas, simplezinhas
as manhãs de hoje em dia
deixam sempre pra amanhã
o amanhecer que era pra hoje
logo de manhãzinha"

(solda)
Imagem: Sartre e Beauvoir no Rio de Janeiro

XXV - As Bolas de Sabão



"As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as cousas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa,
Pretende que elas são mais do que parecem ser.
Algumas mal se vêem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer cousa se aligeira em nós
E aceita tudo mais nitidamente".


(Alberto Caeiro)
Imagem: Cartier-Bresson, Henri - Rue Mouffetard [1954]

Conversa Meio A Sério Com Tom Jobim

Clarice Lispector entrevista Tom Jobim

3 de julho de 1971
Tom Jobim foi o meu padrinho no I Festival de Escritores, não lembro em que ano, no lançamento de meu romance "A maçã no escuro". E na nossa barraca ele fazia brincadeiras: segurava o livro na mão e perguntava:

- Quem compra? Quem quer comprar?

Não sei, mas o fato é que vendi todos os exemplares.

Um dia, faz algum tempo, Tom veio me visitar: há anos que não nos víamos. Era o mesmo Tom: bonito, simpático, com o ar de pureza que ele tem, com os cabelos meio caídos na testa. Um uísque e conversa que foi ficando mais séria. Reproduzirei literalmente nossos diálogos (tomei notas, ele não se incomodou).

- Tom, como é que você encara o problema da maturidade?

- Tem um verso do Drummond que diz: "A madureza, esta horrível prenda..." Não sei Clarice, a gente fica mais capaz, mas também mais exigente.

- Não faz mal, a gente exige bem.

- Com a maturidade, a gente passa a ter consciência de uma série de coisas que antes não tinha, mesmo os instintos, os mais espontâneos passam pelo filtro. A polícia do espaço está presente, essa polícia que é a verdadeira polícia da gente. Tenho notado que a música vem mudando com os meios de divulgação, com a preguiça de se ir ao Teatro Municipal. Quero te fazer esta pergunta a respeito da leitura de livros, pois hoje em dia estão ouvindo televisão e rádio de pilha, meios inadequados. Tudo o que escrevi de erudito e mais sério fica na gaveta. Que não haja mal-entendido: a música popular, considero-a seríssima. Será que hoje em dia as pessoas estão lendo como eu lia quando garoto, tendo o hábito de ir para a cama com um livro antes de dormir? Porque sinto uma espécie de falta de tempo da humanidade - o que vai entrar mesmo é a leitura dinâmica. Que é que você acha?

- Sofro se isso acontecer, que alguém leia meus livros apenas no método do vira-depressa-a-página dinâmico. Escrevi-os com amor, atenção, dor e pesquisa e queria de volta como mínimo uma atenção completa. Uma atenção e um interesse como o seu, Tom. E no entanto o cômico é que eu não tenho mais paciência de ler ficção.

- Mas aí você está se negando, Clarice!

- Não, meus livros, felizmente para mim, não são superlotados de fatos, e sim da repercussão dos fatos no indivíduo. Há quem diga que a música e a literatura vão acabar. Sabe quem disse isso? Henry Miller. Não sei se ele queria dizer para já ou para daqui a 300 ou 500 anos. Mas eu acho que nunca acabarão.

Riso feliz de Tom:

- Pois eu, sabe, também acho!

- Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita é como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal.

- E mineral também, e vegetal também! (Ele ri.) Acho que sou um músico que acredita em palavras. Li ontem o teu O búfalo e A imitação da rosa.

- Sim, mas é a morte às vezes.

- A morte não existe, Clarice. Tive uma experiência que me revelou isso. Assim como também não existe o eu nem o euzinho nem o euzão. Fora essa experiência que não vou contar, temo a morte 24 horas por dia. A morte do eu, eu te juro, Clarice, porque eu vi.

- Você acredita na reencarnação?

- Não sei. Dizem os hindus que só entende de reencarnação quem tem consciência das várias vidas que viveu. Evidentemente, não é o meu ponto de vista: se existe reencarnação, só pode ser por um despojamento.

Dei-lhe então a epígrafe de um de meus livros: é uma frase de Bernard Berenson, crítico de arte: "Uma vida completa talvez seja aquela que termina em tal identificação com o não-eu que não resta um eu para morrer."

- Isto é muito bonito - disse Tom - é o despojamento; Caí numa armadilha porque sem o eu, eu me neguei. Se nos negamos qualquer passagem de um eu para outro, o que significa reencarnação, então a estamos negando.

- Não estou entendendo nada do que estamos falando mas faz sentido. Como podemos falar do que não entendemos! Vamos ver se na próxima reencarnação nós dois nos encontraremos.

10 de julho de 1971

Depois falamos sobre o fato de que a sociedade industrial organiza e despersonaliza demais a vida. E se não cabia aos artistas o papel de preservar não só a alegria do mundo como a consciência do mundo.

- Sou contra a arte de consumo. Claro, Clarice, que eu amo o consumo... Mas do momento em que a estandardização de tudo tira a alegria de viver, sou contra a industrialização. Sou a favor do maquinismo que facilita a vida humana, jamais a máquina que domina a espécie humana. Claro, os artistas devem preservar a alegria do mundo. Embora a arte ande tão alienada e só dê tristeza ao mundo. Mas não é culpa da arte porque ela tem o papel de refletir o mundo. Ela reflete e é honesta. Viva Oscar Niemeyer e viva Vila-Lobos! Viva Clarice Lispector! Viva Antônio Carlos Jobim! A nossa é uma arte que denuncia. Tenho sinfonias e músicas de câmara que não vêm à tona.

- Você não acha que é seu dever o de fazer a música que sua alma pede? Pelas coisas que você disse, suponho que significa que o nosso melhor está dito para as elites?

- Evidentemente que nós, para nos expressarmos, temos que recorrer à linguagem das elites, elites estas que não existem no Brasil... Eis o grande drama de Carlos Drummond de Andrade e Vilas-Lobos.

- Para quem você faz música e para quem eu escrevo, Tom?

- Acho que não nos foi perguntado nada a respeito e, desprevenidos, ouvimos no entanto a música e a palavra, sem tê-las realmente aprendido de ninguém. Não nos coube a escolha: você e eu trabalhamos sob uma inspiração. De nossa ingrata argila de que é feito o gesso. Ingrata mesmo para conosco. A crítica que eu faria, Clarice, nesse confortável apartamento no Leme, é de sermos seres rarefeitos que só se dão em determinadas alturas. A gente devia se dar mais, a toda hora, indiscriminadamente. Hoje quando leio uma partitura de Stravinsky ainda mais sinto uma vontade irreprimível de estar com o povo, embora a cultura jogada fora volte pelas janelas - estou roubando C.D.A.

- Talvez porque nós todos sejamos parte de uma geração quem sabe se fracassada?

- Não concordo absolutamente.

- É que sinto que nós chegamos ao limiar de portas que estavam abertas - e por medo ou pelo que não sei, não atravessamos plenamente essas portas. Que no entanto têm nelas já gravado o nosso nome. Cada pessoa tem uma porta com seu nome gravado, Tom, e é só através dela que essa pessoa perdida pode entrar e se achar.

- Batei e abrir-se-vos-á.

- Vou confessar a você, Tom, sem o menor vestígio de mentira: sinto que se eu tivesse tido coragem mesmo, eu já teria atravessado a minha porta, e sem medo de que me chamassem de louca. Porque existe uma nova linguagem, tanto a musical quanto a escrita, e nós dois seríamos os legítimos representantes das portas estreitas que nos pertencem. Em resumo e sem vaidade: estou simplesmente dizendo que nós dois temos uma vocação a cumprir. Como se processa em você a elaboração musical que termina em criação?

- Estou simplesmente misturando tudo mas não é culpa minha, Tom, nem sua: é que nossa conversa está meio psicodélica.

- A criação musical em mim é compulsória. Os anseios de liberdade nela se manifestam.

- Liberdade interna ou externa?

- A liberdade total. Se como homem fui um pequeno-burguês adaptado, como artista me vinguei nas amplidões do amor. Você desculpe, eu não quero mais uísque por causa de minha voracidade, tenho é que beber cerveja porque ela locupleta os grandes vazios da alma. Ou pelo menos impede a embriaguez súbita. Gosto de beber só de vez em quando. Gosto de tomar uma cerveja mas de estar bêbado não gosto.

Foi devidamente providenciada a ida da empregada para comprar cerveja.


17 de julho de 1971

- Tom, toda pessoa muito conhecida, como você, é no fundo o grande desconhecido. Qual é a sua face oculta?

- A música. O ambiente era competitivo, e eu teria que matar meu colega e meu irmão para sobreviver. O espetáculo do mundo me soou falso. O piano no quarto escuro me oferecia uma possibilidade de harmonia infinita. Esta é a minha face oculta. A minha fuga, a minha timidez me levaram inadvertidamente, contra a minha vontade, aos holofotes do Carnegie Hall. Sempre fugi do sucesso, Clarice, como o diabo foge da cruz. Sempre quis ser aquele que não vai ao palco. O piano me oferecia, de volta da praia, um mundo insuspeitado, de ampla liberdade - as notas eram todas disponíveis e eu antevi que se abriam os caminhos, que tudo era lícito, e que poderia ir a qualquer lugar desde que fosse inteiro. Sùbitamente, sabe, aquilo que se oferece a um menor púbere, o grande sonho de amor estava lá e este sonho tão inseguro era seguro, não é Clarice ? Sabe que a flor não sabe que é flor ? Eu me perdi e me ganhei, enquanto isso sonhava pela fechadura com os seios de minha empregada. Eram lindos os seios dela através do buraco da fechadura.

- Tom, você seria capaz de improvisar um poema que servisse de letra para uma canção?

Ele assentiu e, depois de uma pequena pausa, me ditou o que se segue:

Teus olhos verdes são maiores que o mar.
Se um dia eu fosse tão forte quanto você eu te desprezaria e viveria no espaço.
Ou talvez então eu te amasse.
Ai! que saudades me dá da vida que nunca tive!
- Como é que você sente que vai nascer uma canção?

- As dores do parto são terríveis. Bater com a cabeça na parede, angústia, o desnecessário do necessário, são os sintomas de uma nova música nascendo. Eu gosto mais de uma música quanto menos mexo nela. Qualquer resquício de savoir-faire me apavora.

- Gauguin, que não é meu predileto, disse uma coisa que não se deve esquecer, por mais dor que ela nos traga. É o seguinte: "Quando tua mão direita estiver hábil, pinta com a esquerda; quando a esquerda ficar hábil, pinta com os pés". Isso responde ao seu terror do savoir-faire?

- Para mim a habilidade é muito útil mas em última instância a habilidade é inútil. Só a criação satisfaz. Verdade ou mentira, eu prefiro uma forma torta que diga, do que uma forma hábil que não diga.

- Você é quem escolhe os intérpretes e os colaboradores?

- Quando posso escolher intérpretes, escolho. Mas a vida veio muito depressa. Gosto de colaborar com quem eu amo, Vinícius, Chico Buarque, João Gilberto, Newton Mendonça, etc. E você?

- Faz parte de minha profissão estar mesmo sempre sòzinha, sem intérpretes e sem colaboradores. Escute, todas as vezes em que eu acabei de escrever um livro ou um conto, pensei com desespero e com toda a certeza de que nunca mais escreveria nada. Você, que sensação tem quando acaba de dar à luz uma canção?

- Exatamente a mesma. Eu sempre penso que morri depois das dores do parto.

Veio a cerveja.

- A coisa mais importante do mundo é o amor, a coisa mais importante para a pessoa como indivíduo é a integridade da alma, mesmo que no exterior ela pareça suja. Quando ela diz que sim, é sim, quando ela diz que não, é não. E durma-se com um barulho desses. Apesar de todos os santos, apesar de todos os dólares. Quanto ao que é o amor, amor é se dar, se dar, se dar. Dar-se não de acordo com o seu eu - muita gente pensa que está se dando e não está dando nada - mas de acordo com o eu do ente amado. Quem não se dá, a si próprio detesta, e a si próprio se castra. Amor sozinho é besteira.

- Houve algum momento decisivo na sua vida?

- Só houve momentos decisivos na minha vida. Inclusive ter de ir, aos 36 anos, aos Estados Unidos, por força do Itamarati, eu que gostava já nessa época de pijama listrado, cadeira de balanço de vime, e o céu azul com nuvens esparsas.

- Muitas vezes, nas criações em qualquer domínio, podem-se notar tese, antítese e síntese. Você sente isso nas suas canções? Pense.

- Sinto demais isso. Sou um matemático amoroso, carente de amor e de matemática. Sem forma não há nada. Mesmo no caótico há forma.

- Quais foram as grandes emoções de sua vida como compositor e na sua vida pessoal?

- Como compositor nenhuma. Na minha vida pessoal, a descoberta do eu e do não-eu.

- Qual é o tipo de música brasileira que faz sucesso no exterior?

- Todos os tipos. O Velho Mundo, Europa e Estados Unidos estão completamente exauridos de temas, de força, de virilidade. O Brasil, apesar de tudo, é um país de alma extremamente livre. Ele conduz à criação, ele é conivente com os grandes estados da alma.

http://www.jobim.com.br/entrevistas/lispector/lispector.html

Pré-inverno

- E vem um novo inverno todo em vês
ou todo em is? de frio fino e... - Fora!
Este babado de poetar já era.
Agora
a coisa tem que ser assim:
In
ver no par que o ver de
ar pi pila.
- Traduza para mim. - Pois não:
Inverno. Parque. O verde ar pipila.

- Não era o par que pipilava amores no verde parque?
- Como quiser. O jogo é múltiplo.
Seja também assim:
Noverin pardever que lapipi.
- Parece nome de remédio!
- E daí? Os mais lindos sons da língua
são nomes de remédios, e cobram royalties.

Ah, declaro o papo fin-
do, antes que o inverno pegue fogo.
Muito melhor ouvir o Tom Jobim
cantar, pianoviolão,
no Jardim das Rosas, de sonho e medo,
no clarão das águas, no deserto negro,
enquanto, lerê, lará,
o Matita Perê negaceia;
"Eu quero ver, eu quero ver
você me pegar."

Quem pega Tom Jobim, no Rancho das Nuvens,
de Nuvens Douradas? Leva Ana Luísa
no Trem para Cordisburgo. Conta-lhe
a Crônica da Casa Assassinada.
Fala de Milagres e Palhaços,
e se é Tempo de Mar, com Pedrinho de Moraes,
Chora o Coração de Vinícius de Moraes.
Fluem, fluem
as Águas de Março e vai fluindo
em poesia rosiana
o límpido som
de Tom,
na palma da mão, cor do Brasil.

Vejo camisolas de algodão
(modelos decotados) nas vitrinas;
frente única de lã, e barriguinhas
de fora, desfilando na calçada.
É um frio maroto, com saudade
do verão, ou o verão reincidente
a infiltrar-se, maroto, neste inverno?
De pés de lã, brotos de Lan
mimam na praia o rito carioca:
(in) verniverão.

O rito?
O mito?
Esta cidade é um tanto periquito
australiano, de assobio colorido
especialmente alegre todo ano
e faz do pré-inverno pré-estréia
do calor de dezembro a florescer
na rosinha do umbigo das garotas.

Cai um pingo de chuva nesta página?
Salta do solo o Sol e sela a sala
de ouro.
- Não é nada disto (protesta o Poet / Sintétiko).

Negó seguin:
(Texto de Carlos Drummond de Andrade - Jornal do Brasil - 13/05/1973)

"Som sobre tom"


Por Carlos Drummond de Andrade

Abro a janela, e em minha paróquia não visitada por sabiás, um sabiá está cantando. O ouvido não se enganou, e é fácil de explicar. Nesta manhã, um sabiá múltiplo e comemorativo gorjeia em cada árvore de cada bairro do Rio, da Tijuca ao Leblon, pela chegada dos cinquenta anos do sabiá-mor, vulgo Tom Jobim.

O pássaro desenvolve um canto geral, em nome das aves amadas por Tom, inclusive o matita-perê, que não nasceu lá muito melodioso, e o jereba, ou urubu de cabeça vermelha, do qual obviamente não se exigem primores vocais. E sua ária festiva é justa homenagem da natureza ao compositor que soube captar para nós, entre canções de amor sofrido ou exultante, a palpitação, o lirismo surdo, o secreto recado das águas de março, das madeiras e lejes que compõem o mais antigo cenário de vida. Cenário que vamos destruindo metodicamente, em vez de preservá-lo e restaurá-lo como opção para o triste viver urbano a que nos condenamos por inclinação suicida.

Porque Tom é isso aí: o vibrátil rapaz da cidade, que leva para Ipanema e leblon uma alma ressoante de rumores da floresta, perto da qual ele nasceu. Se ama o papo no bar, com amigos ("a cerveja locupleta os vazios da alma", diz ele), será por invencível delicadeza, que ainda agora o fez declarar a Cristina Lira: "Eu só tenho feito gostar das pessoas". E reconhecendo que "as conversas de bar procuram o longo caminho do equívoco", um dia propôs a um amigo distante "estabelecer sesmarias aéreas" de sociedade com ele. Tom sabe voar sobre miudezas e convencionalismos que atrapalham a verdadeira comunicação, sob aparência de estimulá-la.

Se vai aos Estados Unidos, para gravar sua música em nível técnico mais apurado, até nisto segue política de pássaro, que emigra na hora sazonal e volta religiosamente ao habitat na hora certa. E ao voltar, continua tão brasileiro quanto era ao sair, que isso é raiz e sobrenome dele: Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, nos papéis civis. De resto, incriminá-lo de americanização, a mim parece inverter o sentido das coisas. Tom leva para a América do Norte uma límpida, sensível imagem brasileira, que lá nos faz menos desconhecidos e até amados por quem distingue, através da música, o temperamento nacional de que ela resulta. (Exportação cultural, que corresponde ao nosso interesse econômico.)

Esse generoso, espontaneo ser urbano-silvestre que é o maestro Jobim representa muita coisa mais do que uma sensibilidade pequeno-burguesa que modula crônicas de amor para consumo da classe média, a que logo adere uma suposta classe alta. É antes um criador musical que concentra o espírito do Brasil antigo, situando-o na atualidade sob condições novas. Estabelece uma continuidade emocional em formas tão cristalinas que sentimos, graças ao seu talento, a novidade dos estados permanentes de alegria, tristeza e cisma, vividos pela nossa gente, à margem de estilos e modas. Um Nazaré e um Tom dispensam colocação didática na história da música brasileira. E em Tom esse sentir brasileiro é também um sentir dos ventos, das ramagens, dos seixos, das vozes de passarinhos, que não são cariocas nem fluminenses, é a "geologia moral" do Brasil, que procuramos esquecer mas subsiste como explicação maior da gente.

Tom Jobim, deputado eleito pelos sabiás, canários e curiós para falar, não aos povos da Zona Sul, mas a toda criatura capaz de ouvir e de entender pássaros, trazendo-nos uma interpretação melódica da vida. Isso que ele faz tão bem, cativando a todos. Ou a quase todos, pois seria vão esperar que os amantes do barulho erguido à categoria de música estimassem o antibarulho, o refinamento do som organizado em fonte de prazer estético e explicação do homem por si mesmo. O som de Tom, o som que uma fada (iara, sereia, camena?) lhe deu há 50 anos, presente das matas da Tijuca ao futuro morador do Leblon, ao mais despreocupado dos mestres, e por isso também o mestre que é mais agradável reverenciar.

Salve, Tom, em claro e meigo Tom!
(Foto: Passagem de som do show comemorativo do 426º aniversário do Rio de Janeiro, no Arpoador).

Tom e o pássaro

Pássaro feliz é (devia ser) o matintapereira. Pois não ganhou canção de Valdemar Henrique, na voz de Mara? Mara, irmã do compositor, saudade no ouvido da gente, mas podia também ser Nara Leão. Como se não bastasse, é gratificado agora com outra canção, e de quem? Do muito ilustre e raro maestro Antônio Carlos Jobim, letra e música, esta em parceria com Paulinho Pinheiro, já divulgada pelo José Carlos Oliveira. É a glória.
O mal-agradecido nem se dá conta disto, sempre naquele assobio estridente, monótono, embruxado, no meio da noite brasileira. E se a gente vai ver, seguindo o rastro sonoro, cadê passarinho? O diabo sumiu. Diabo? Não é à-toa que lhe chamam também saci. Tom pegou-lhe bem o jeito:

Quero ver, olerê olará,
você me pegar.

Com a diferença de que saci é alegre, suas peraltices revelam o fundo lúdico do negrinho, que nunca chegam às tenebrosas maquinações: ele apaga fogo na cozinha, espalha boiada, assusta gente nos caminhos. E ri. Até a perna-só, de que se serve, é gozada; o cachimbo, idem. Já o saci-voador é triste, agourento, não se permite o bom humor negro. Pia soturno e some. A sabedoria do povo aconselha que se diga assim para ele, no entrevôo do sumiço:
- Escuta aqui, amizade, passa lá em casa amanhã para apanhar tabaco, tá?
Dia seguinte, já sabe: quem bater primeiro à porta da casa é o pobre homem ou mulher que à noite se converte em passarinho, e de manhã volta à condição humana, em busca de fumo para a cachimbada. Nunca mais ninguém quer saber dele ou dela. Pudera: virou matintapereira.
Dizem, não sei se é mentira, mas na Amazônia, matinta quando pia, você deve cobrir as mãos com pano preto, de outra cor não seve; do contrário, as unhas emitem uma espécie de foguinho que espanta a visagem anunciada pelo pio. Cobrindo-as, você vê a coisa estranha, que no Maranhão é a velha Caapora, mas isso depende de ter coragem para ver coisas estranhas. O melhor é não ver nada, não ir atrás do matinta. Agora então, com a abertura da Transamazônica, sabe-se lá em que toco de pau ele se meteu?
É tão safado que se disfarça sob os codinomes mais diversos e para cada ouvido oferece uma onomatopéia, em cada mato do Brasil. Carlinhos Oliveira dá-lhe sete nomes: além de matintapereira e da variante matita, informa que ele responde (ou antes, não responde) por fem-fem, sem-fim, peixe-frito, tempo-quente, saci. Valendo-me de Flávia da Silveira Lobo, doutora em bichos nacionais, posso acrescentar os seguintes: crispim, secofico, peito-ferido, peitica, piririguá, sede-sede, roceiro-planta. Antenor Nascentes grafa matim-taperê, segundo a lição de Basílio de Magalhães: elo na corrente de transformações populares, que vai de saci-pererê a matinta-pereira, nome quase de gente, e gente que se saúda na rua: Oi, Matinta. Falta só chamá-lo de Matinta Pereira da Silva, como lembrou Barbosa Rodrigues na Poranduba. De qualquer maneira, dispõe de tantas identidades que, no dia em que os bichos pagarem Imposto de Renda, é bem capaz de escapar do CPF - a menos que lhe preguem não uma, porém, 40 etiquetas.
A canção de Tom devia enfunar de orgulho o papo de matinta. Não ouvi a música, mas se é de Tom é bom, garante Drummond. A letra, um esvoaçar de nomes e formas em torno de João (Guimarães Rosa), que se não era bruxo não sei o que fosse, talvez a própria bruxaria em túnica de linguagem. Há no poema um jogo de esconde-esconde que vai mostrando o sem-fim e o sem-para das coisas, das pessoas, dos pássaros. Tudo voa nas asa de matinta, que não é mais ave sinistra, é o gira-gira do mundo, a ave que ninguém pega, o sonho que ninguém acaba de sonhar. Puxa, matinta, mas você, hem? Nem reparou que o nosso Tom, olerê olará, voa mais alto e mais longe, e ninguêm o segura mesmo.

(Texto de Carlos Drummond de Andrade - Jornal do Brasil /22/04/1972)
Foto: No sítio da família em Poço Fundo, estado do Rio de Janeiro

Sabiá



"Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor
Talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá"

(Tom Jobim/Chico Buarque - 1968)

A banda



"Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Para ver, ouvir e dar passagem

A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor

Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor".

(Chico Buarque -1966)

Foto de Lina Faria - show em Curitiba - abril de 2007

http://www.olhodarua55.com/

Notas sobre A banda


Por Carlos Drummond de Andrade

O jeito, no momento, é ver a banda passar, cantando coisas de amor. Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando.

A ordem, meus manos e desconhecidos meus, é abrir a janela, abrir não, escancará-la, é subir ao terraço como fez o velho que era fraco mas subiu assim mesmo, é correr à rua no rastro da meninada, e ver e ouvir a banda que passa. Viva a música, viva o sopro de amor que a música e banda vem trazendo, Chico Buarque de Hollanda à frente, e que restaura em nós hipotecados palácios em ruínas, jardins pisoteados, cisternas secas, compensando-nos da confiança perdida nos homens e suas promessas, da perda dos sonhos que o desamor puiu e fixou, e que são agora como o paletó roído de traça, a pele escarificada de onde fugiu a beleza, o pó no ar, na falta de ar.

A felicidade geral com que foi recebida essa banda tão simples, tão brasileira e tão antiga na sua tradição lírica, que um rapaz de pouco mais de vinte anos botou na rua, alvoroçando novos e velhos, dá bem a idéia de como andávamos precisando de amor. Pois a banda não vem entoando marchas militares, dobrados de guerra. Não convida a matar o inimigo, ela não tem inimigos, nem a festejar com uma pirâmide de camélias e discursos as conquistas da violência. Esta banda é de amor, prefere rasgar corações, na receita do sábio maestro Anacleto Medeiros, fazendo penetrar neles o fogo que arde sem se ver, o contentamento descontente, a dor que desatina sem doer, abrindo a ferida que dói e não se sente, como explicou um velho e imortal especialista português nessas matérias cordiais.

Meu partido está tomado. Não da ARENA nem do MDB, sou desse partido congregacional e superior às classificações de emergência, que encontra na banda o remédio, a angra, o roteiro, a solução. Ele não obedece a cálculos da conveniência momentânea, não admite cassações nem acomodações para evitá-las, e principalmente não é um partido, mas o desejo, a vontade de compreender pelo amor, e de amar pela compreensão.

Se uma banda sozinha faz a cidade toda se enfeitar e provoca até o aparecimento da lua cheia no céu confuso e soturno, crivado de signos ameaçadores, é porque há uma beleza generosa e solidária na banda, há uma indicação clara para todos os que têm responsabilidade de mandar e os que são mandados, os que estão contando dinheiro e os que não o têm para contar e muito menos para gastar, os espertos e os zangados, os vingadores e os ressentidos, os ambiciosos e todos, mas todos os etcéteras que eu poderia alinhar aqui se dispusesse da página inteira. Coisas de amor são finezas que se oferecem a qualquer um que saiba cultivá-las, distribuí-las, começando por querer que elas floresçam. E não se limitam ao jardinzinho particular de afetos que cobre a área de nossa vida particular: abrange terreno infinito, nas relações humanas, no país como entidade social carente de amor, no universo-mundo onde a voz do Papa soa como uma trompa longínqua, chamando o velho fraco, a mocinha feia, o homem sério, o faroleiro... todos que viram a banda passar, e por uns minutos se sentiram melhores. E se o que era doce acabou, depois que a banda passou, que venha outra banda, Chico, e que nunca uma banda como essa deixe de musicalizar a alma da gente.


(Carlos Drummond de Andrade / Correio da Manhã, 14/10/66)

Dona Doida



"Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove".


(Adélia Prado)
(Extraído do livro "Poesia Reunida". Editora Siciliano - 1991, São Paulo, página 108.)

Foto: Lina Faria
(
http://www.olhodarua55.com/ )

segunda-feira, abril 23, 2007

Bebel



"Pra que tentar mais uma vez
Pra que tentar aquela vez
O que você Bebel me fez
Como esquecer aquela vez
Bebel
Bebel
Bebel você é muito mais do que
Eu já sonhei e até,
Até pensei me apaixonar
Porque você, sorrindo
É muito mais que lindo
Mas é bonita mesmo
É uma beleza
Força da natureza
Bebel encostada no muro
Sonhando no escuro
À luz do luar
Bebel esta coisa mais louca
Esse beijo na boca
Que eu vou te dar
Você vai sonhar
Vai se apaixonar
Você vai chorar
Não chora Bel
Não chora Bebel
Não chora, não chora
Não chora, não Bebel,
Bebel
Mas é bonita mesmo
É uma beleza
Força da natureza
Bebel de cabelo molhado
Escorrido lavado
Nessas ondas de um mar de sul
Bebel que se volta de lado
E me encara com olhos
De inesperado azul
Você vai sonhar
Vai se apaixonar
Você vai chorar
Não chora José, não chora Zé
Não chora
Não chora
Não chora
Bebel..."

(Antonio Carlos Jobim)
Foto: Folha Imagem
(Na sala de trabalho, com chapéu e charuto - Rio de Janeiro)

Bebel!

Música de Tom Jobim e com a letra do próprio

Não Percam!



TIM Valadares Jazz Festival

Boca da Rua

Estas e outras fotos:
Lina Faria

O Brasil de Marc Ferrez

Visitem a exposição que está aberta no Instituto Moreira Salles (IMS) - com imagens do fotógrafo Marc Ferraz, um dos pioneiros da fotografia em nosso país, assim como do século XIX. A Expo foi prorrogada até o dia 12 de agosto em B.H. City.
O IMS em Belo Horizonte, fica na Av. Afonso Pena, no número 737, no centro. O telefone de contato é: (31) 3213-7900

Os horários de visita:
De terça a sexta, das 13h às 19h;
sábado e domingo, das 13h às 18h.
Fotografia de Ferrez - "Jornaleiros", c.1899, RJ

Salve Jorge!



Hoje é dia de São Jorge!
Salve Jorge!


(Letra de música de Zeca Pagodinho)

A SOLIDÃO

“Se eu me sinto solitário? Em parte, sim, porque perdi meus pais e meus irmãos todos. Nós éramos seis irmãos. E, em parte, porque perdi também amigos da minha mocidade, como Pedro Nava, Mílton Campos, Emílio Moura, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Gustavo Capanema e outros que faziam parte da minha vida anterior, a mais profunda. Isso me dá um sentimento de solidão. Por outro lado, a solidão em si é muito relativa. Uma pessoa que tem hábitos intelectuais ou artísticos, uma pessoa que gosta de música, uma pessoa que gosta de ler nunca está sozinha. Ela terá sempre uma companhia: a companhia imensa de todos os artistas, todos os escritores que ela ama, ao longo dos séculos”.
“Precisava de um amigo/ desses calados, distantes,/ que lêem verso de Horácio/ mas secretamente influem/ na vida, no amor, na carne/ Estou só, não tenho amigo/ E a essa hora tardia/ como procurar um amigo?” (Trechinho do poema do Gauche - A Bruxa)

(Trecho da última entrevista que Drummond deu para o jornalista Geneton Moares Neto. A entrevista que foi feita dezesseis dias antes da morte do Gauche, foi para às bancas - cinco dias depois que o poeta encantou-se, no suplemento Idéias, do Jornal do Brasil, do dia 22 de agosto de 1987.)

Sozinha comigo mesma!

Adorei esta tirinha que surrupiei lá do blog do Bennet, me fez pensar em certas coisas, no gostar de ficar em silêncio... As pessoas não entendem, não conseguem ficar sozinhas com elas mesmas, por isto buscam estar o tempo todo em meio à multidão. Não obrigada, estou muito bem assim, gosto de ficar quietinha em meu canto, de escutar meu silêncio, às vezes me dou cada conselho, tem que ver.

Existem pessoas que mesmo ao lado de um monte de gente, são solitárias, se sentem sozinhas, isto é triste, muito..., pior coisa que esta - ainda não descobri, se bem que não me venham com idéias de coisas piores, porque sei que estas podem existir e assim dispenso...

Lembrei do poema "Ausência", de Drummond:

"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim".

Tirinha do Bennet:

http://www.benett-o-matic.blogger.com.br/

A que ponto chegamos...

"Não esqueçam, meliantes em geral".

Pois é, isto é fato! É o dia-a-dia do brasileiro. E assim, vamos empurrando com a barriga, se bem que trocadilho de barriga não combina muito com a realidade de um povo - que usa a panela vazia, pra fazer um sambinha e assim, despistar a fome...Empurrar com a barriga, seria parte dos deputados, governantes que depois de eleitos, passam o tempo todo só na fresca e quando o fim do mandato se aproxima, realizam alguma obra - só pra se elegerem novamente, isto é o que eu chamaria de "empurrar com a barriga", e que barrigas, já perceberam como são 'bonachões" os nosso governantes, sério, parecem uns "porquinhos" de face rosadinha e com fucinheira - estilo conto de lobo mau, só que nesta estorinha, o povo não têm fantasia, como diria Drummond - "neste país é proibido sonhar", então os deputados fazem os dois papéis, ganhando assim, os dois cachês!

... E vai dormir com uma coisa destas ...

Imagem: Surrupiei lá do blog do cartunista Solda

http://cartunistasolda.blogspot.com/2007/04/aviso-praa.html#links

"Explosão"

"O que me descontrai, por incrível que pareça, é pintar. Sem ser pintora de forma alguma, e sem aprender nenhuma técnica. Pinto tão mal que dá gosto e não mostro meus, entre aspas, quadros, a ninguém. É relaxante e ao mesmo tempo excitante mexer com cores e formas sem compromisso com coisa alguma. É a coisa mais pura que faço (...) Acho que o processo criador de um pintor e do escritor são da mesma fonte. O texto deve se exprimir através de imagens e as imagens são feitas de luz, cores, figuras, perspectivas, volumes, sensações." (Lispector)
Pintura de Clarice Lispector - "Explosão" - 1975

Vídeos com entrevista de Clarice Lispector


“Vou continuar, é exatamente da minha natureza
nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre,
entro em todos os palcos”
(Clarice Lispector)

Um grande momento de TV deveria certamente se tornar um grande momento da Internet. Essa e a primeira parte da entrevista com Clarice Lispector no programa Panorama de 1977 que foi depois retransmitida no 30 Anos Incriveis da TV Cultura, apresentação de Gastão Moreira. Essa foi a ultima entrevista com Clarice Lispector dada ao jornalista Junio Lerner.
Eis os arquivos para serem baixados:
Parte 1
Parte 2
Parte 3

A Rua dos Cataventos



I

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!

Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...

Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...

Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!
(Mário Quintana)

(Foto de Quintana por: Liane Neves)

ESPERANÇA


"Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA..."

(Mário Quintana - " O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar").
(Foto: Liane Neves)

"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro...há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu...Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma". (Clarice Lispector)
"Eu acho que quando eu não escrevo, eu estou morta" - Ouça este trecho da entrevista de Clarice Lispector (Arquivo para download. 28 kb; formato .wav; para ouvir basta o Windows Media Player)

O gato e o pássaro


"Uma cidade escuta desolada
O canto de um pássaro ferido
É o único pássaro da cidade
Que o devorou pela metade
E o pássaro pára de cantar
O gato pára de ronronar
E de lamber o focinho
E a cidade prepara para o pássaro
Maravilhosos funerais
E o gato que foi convidado
Segue o caixãozinho de palha
Em que deitado está o pássaro morto
Levado por uma menina
Que não pára de chorar
Se soubesse que você ia sofrer tanto
Lhe diz o gato
Teria comido ele todinho
E depois teria te dito
Que tinha visto ele voar
Voar até o fim do mundo
Lá onde o longe é tão longe
Que de lá não se volta mais
Você teria sofrido menos
Sentiria apenas tristeza e saudades

Não se deve deixar as coisas pela metade".

(Jacques Prévert)


"Não se deve, meus senhores,
deixar os intelectuais
brincar com fósforos".
(Jacques Prévert)
Imagem: Pablo Picasso e Prévert.

Sobrado do Barão de Alfié




"Este é o Sobrado.
Existem outros, mas não se chamem
O Sobrado, peremptoriamente.

A escada de duas subidas já define
Sua importância: lembra um trono.
É casa de barão, entre plebeus.
Sob a cimalha vejo a estatueta

De louça lusitana, vejo os vasos
De azul-vaidade, contra o azul do céu.

As sacadas, onde pairam minhas primas
Acima das procissões, jovens olímpicas
Entre vôo e terra.

Ó século glorioso 19,
Reinante no Sobrado, onde a quadrilha
Estronda as tábuas do soalho, mal sabendo
Que outro tempo chegou para levar
Na dança o que é sobrado e contradança".




Este é um dos poemas que o Gauche escreveu e que falava do "Sobrado", do Solar dos Andrade - a residência do Barão de Alfié

Primos de primos


- José -

"E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?"
(Carlos Drummond de Andrade)

Não é de se estranhar que em Itabira, "todo mundo é parente de todo mundo" - é que tinham a estranha mania de casar entre primos. Diz a lenda, que quando foi fundada a cidade, existia cerca de 30 famílias e estas, foram casando entre si. Para não misturar e ou perder o sobrenome, casavam-se na família mesmo - meus avós paternos, por exemplo, são primos em primeiro grau. A história dos poemas de Drummond na família, assim como este acima - "José" - foi por conta de um destes amores entre primos, e é isto que vou contar aqui - parte da história de Amarylles e José...

Estamos nos idos de 1926, o "Sobrado", como era conhecido na família, e que foi construído por Cassemiro Carlos da Cunha de Andrade, pai do Barão de Alfié (vide poste anterior) - se preparava para uma das reuniões familiares, movida a saraus e conversas políticas, visto que o Dr. Olintho, já viúvo nesta época, era o anfitrião, e também o Juiz de Direito e conselheiro na região.

Amarylles, uma das filhas ainda solteiras de Dr. Olintho, aproveitava para vestir um dos modelitos feitos especialmente para ela, pela famosa costureira - Dona Memena - um vestido de seda bege, com sapatos forrados em cetim da mesma cor do vestido.

A tardinha chega e a sociedade itabirana, entre sedas e fragrâncias são recepcionados pelos familiares do Dr. Olintho, para o grande sarau. Da sacada, Amarylles e suas irmãs ficavam a espreita, só apreciando a chegada dos convidados, despertando logo o interesse dos rapazes, sendo que um deles era José, primo de Amarylles e irmão de Carlos Drummond de Andrade.

José ao se aproximar da prima, pega em uma de suas mãos e a beija. Conversam por algum tempo, mas a toda hora alguém chega para cumprimentar a bela moça. Salvo alguns instantes, onde Amarylles é requisitada para tocar uma das belas melodias no piano.

Já no meio da festa, embalados pela valsa que alguns músicos convidados tocavam, José tomou coragem e perguntou a moça se a mesma lhe daria o prazer de uma contradança...

José, que ao contrário de Drummond, não era nada tímido, mantinha sua fala doce, sempre disposto a encantar a prima, isto para alem de ser um dos rapazes mais bonitos naquele salão - com suas sobrancelhas grossas, cabelos pesados e a pele branquinha - mantinha sempre um sorriso a la Don Juan..., pena que isto, não era o bastante para conquistar o coração da beladonna - Amarylles não demonstrava nenhum interesse pelo primo, que era também seu concunhado, visto que sua irmã - Senhorinha Natália, era casada com Flaviano - irmão de José e do Gauche.

A família assistia feliz aquela dança, afinal, ficaria tudo em casa mesmo... A valsa termina e os dois vão para um canto da varanda conversar. José, chega a pedir a moça em casamento, só que a moça se diz muito nova ...

O grande erro de José, foi falar que se eles se casassem ele construiria uma grade de ferro bem grande em frente a casa deles, para que nenhum outro homem chegasse perto da moça. Depois desta, acho que até eu teria um certo temor..., só sei que Amarylles deu um jeito de despistar o primo e sair daquela conversa..., escutou alguns amigos que cantavam uma cavatina e se pôs a juntar-se ao grupo...

Já às três da manhã as pessoas começaram a ir para as suas casas, o sarau já tinha terminado, para alívio de Amarylles...

... O tempo passa, outras festas chegam e eis que Amarylles acaba ficando noiva de um outro primo - Sebastião Araújo, que residia em São José da Lagoa.

Era festa de Corpus Christi, a procissão seguia as ladeiras e contornos da cidade, da sacada Dr. Olintho viu algo estranho em meio as pessoas - ele percebeu a reação de José ao olhar a amada com "outro"... que empurrando os fiéis que seguiam a procissão, chegou a escada lateral do casarão. O Juiz logo gritou para que a filha e o noivo se trancassem em um dos quartos para que assim, ele pudesse resolver aquele "problema familiar".

José foi logo barrado por outros primos e membros da família, completamente desconcertado, ele gritava em alto e bom som que Amarylles era sua. Estava totalmente fora de si. Com muito custo os irmãos conseguiram abrandar a fúria de José, o primo-tio e pai de Amarylles, providenciou uma água com açúcar para acalmar o rapaz.

Do lado de fora, a procissão seguia, com alguns zum zum zum de certas beatas e fofoqueiras de plantão. Já mais calmo, José seguiu seu rumo e foi para a casa, acompanhado de um dos irmãos...

O fato é que esta história toda, foi o motivo que fez com que Drummond criasse o poema acima.

... O que se sabe é que José nunca perdoou Drummond por conta do poema, não podia nem ouvir falar, alias, ficou muito tempo de "cara virada" para o irmão. Para José, já não bastava o dissabor de ter perdido a amada, ainda tinha virado chacota através de um poema feito pelo próprio irmão.
(A Imagem acima é uma foto de quadros que estão na parede do Hotel de Itabira e são respectivamente, Amarylles - a Lili e José - o irmão de Drummond).

Barão de Alfié


Joaquim Carlos da Cunha Andrade, primeiro e único barão de Alfié, (Itabira, 27 de Julho de 1881). Foi coronel da Guarda Nacional.

Filho de Carlos Casemiro da Cunha Andrade e de Senhorinha dos Santos Alvarenga. Casou-se em primeiras núpcias com Maria Isidora de Andrade e em segundas com Ana da Costa Lage. Foi o pai de Joaquim Carlos, Carlos Casemiro, quem construiu o sobrado posteriormente alcunhado Solar do Barão de Alfié, atualmente Hotel de Itabira, o qual servira de residência para a família do nobre. Há quem diga que Carlos Drummond de Andrade, natural de Itabira, tenha se inspirado no imóvel para escrever alguns de seus poemas. (Este dado está correto, logo irei postar alguns destes poemas).

O sobrado se manteve entre os Paula Andrade, parentes dos Cunha Andrade. Dentre os proprietários posteriores, destaca-se Olinto Horácio de Paula Andrade, juíz e deputado provincial, além de pai de Amariles de Paula Andrade, prima de Drummond e sua inspiração para a Lili do poema Quadrilha, além de ser a paixão de José de Andrade, irmão de Drummond - (por este motivo surgiu o poema "José" - E agora, José?.../ Com relação a este poema, depois explico em outras postagens, o motivo do mesmo, o que aconteceu...)

- Títulos nobiliárquicos e honrarias : Barão de Alfié - Título conferido por decreto imperial em 19 de julho de 1879. Faz referência ao bairro mineiro de Santana do Alfié, então freguesia de Itabira e posteriormente distrito de São Domingos do Prata.

No país dos Andrades



"No país dos Andrades, onde o chão
é forrado pelo cobertor vermelho de meu pai,
indago um objeto desaparecido há trinta anos,
que não sei se furtaram, mas só acho formigas.

No país dos Andrades, lá onde não há cartazes
e as ordens são peremptórias, sem embargo tácitas,
já não distingo porteiras, divisas, certas rudes pastagens
plantadas no ano zero e transmitidas no sangue.

No país dos Andrades, somem agora os sinais
Que fixavam a fazenda, a guerra e o mercado,
bem como outros distritos; solidão das vertentes.
Eis que me vejo tonto, agudo e suspeitoso.

Será outro país? O governo o pilhou? O tempo o corrompeu?
No país dos Andrades, secreto latifúndio,
a tudo pergunto e invoco; mas o escuro soprou; e ninguém me secunda.

Adeus, vermelho
(viajarei) cobertor de meu pai."

(Carlos Drummond de Andrade)
Foto: Reynaldo de Andrade Lage - meu pai quando criança e sua cadelinha, Boneca/ Itabira - M.G.

Diálogo com o Gauche


"Eu lamento que haja pouco consumo de livros no Brasil. Mas aí é um problema muito mais grave. É o problema da deseducação, o problema da pobreza e -- portanto -- da falta de nutrição e da falta de saúde. Antes de um escritor se lamentar porque não é lido como são lidos os escritores americanos ou europeus, ele deve se lamentar de pertencer a um país em que há tanta miséria e injustiça social."

(Drummond, em sua última entrevista, poucos dias antes de sua morte.In O Dossiê Drummond, de Geneton Moraes Neto, Ed. Globo, 1994)

Confidência do Itabirano



"Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!"

(Carlos Drummond de Andrade)

Escute o próprio poeta recitando o poema:

http://www.memoriaviva.com.br/drummond/index2.htm

Imagem de Itabira, a primeira casa a esquerda é hoje o Hotel de Itabira -
Antigo Solar dos Andrade - pertenceu ao Barão de Alfié
( http://www.fiocruz.br/ccs/media/itabira_fer.jpg )

domingo, abril 22, 2007

Boitempo



"Entardece na roça
de modo diferente.
A sombra vem nos cascos,
no mugido da vaca
separada da cria.
O gado é que anoitece
e na luz que a vidraça
da casa fazendeira
derrama no curral
surge multiplicada
sua estátua de sal,
escultura da noite.
Os chifres delimitam
o sono privativo
de cada rês e tecem
de curva em curva a ilha
do sono universal.
No gado é que dormimos
e nele que acordamos.
Amanhece na roça
de modo diferente.
A luz chega no leite,
morno esguicho das tetas
e o dia é um pasto azul
que o gado reconquista"

(Carlos Drummond de Andrade)

Escute este poema na voz do próprio poeta:
http://www.memoriaviva.com.br/drummond/index2.htm

Imagem: Estrada Real - "Chácara do Barão do Serro"

( http://www.estradareal.org.br/ )

Tirando de letra



Ilustração: Cartunista Solda
( http://cartunistasolda.blogspot.com/ )

"A gente nunca está só.
Ou se está com uma saudade
de um sonho desfeito em pó, ou se
está com uma esperança de nova felicidade
no coração que não se cansa..."
(Henriqueta Lisboa)
Foto: Lina Faria

segunda-feira, abril 09, 2007

a dois anos...


fazem dois anos que tiraste esta foto...

saudades de um alguém

alem-mar

(Foto por Cas)