quarta-feira, dezembro 06, 2006

POEMA DO DESPERTAR - Esman Dias















I

Hoje, redivivo,

compartilho a mim:
meu suor meu sangue,
minha fé no fim;
meu sonhar meu sonho,
meu gerir meu corpo,
meu ganir descalço,
meu crescer já morto.

Tudo o que retive

dos que me guardaram
foram minhas vinhas,
meus amores raros,
minha noite insone,
minha noite imune,
minha face exangue
que a meu Deus me une.

Hoje, redivivo,
sofro nova luz:
não que me atormente
- mas que me inaugura;
não que me incendeie
nem que me torture,
mas que distribua
sem que me conclua
nada em minhas veias.

Hoje, sou sem peias :
besta libertada
a trotar no verde
seu relincho claro.

II

Hoje já me sobram
naves e galeras.

O que dantes era
parte da quimera
já me sobra à porta;
pouco agora importa;
minha luta é minha.

Hoje já me vejo
com meus olhos novos
Hoje já me posso reconstituir
no suor fecundo

do que lavra a terra,
na visão que erra

sem saber errar.

III

Hoje me desperto
nesse olhar do homem,
nesse amar do homem,
no morrer do homem
- Hoje, redivivo,
sou palavra e fome.

IV

Hoje não relincho
por temor ao vento :
mais do que invento,
lúcido, descubro
(hoje existo em tudo).

V

Hoje me alimento
mais da minha fome:
donde flua o homem,
nasço e me refaço
- Hoje sou mais tempo
conjugado a espaço.

Pois já não me pesa
tudo o que me sofre:
hoje, sou mais forte:

tudo que circula
corpo e pensamento
revigora o tempo
de manter-me à brisa

se hoje não me pisam
com seus cascos ágeis
meus imaginários
sonhos de paisagem.

VI

Já senti o saltos
em pensar o meio.
Hoje, se receio
retornar ao muro,
sinto-me seguro.

Sinto-me maduro
para o meu comando:
seguirei uivando,
recriando estradas,

que hoje não sou nada
do que já me fora
mais que morte, amor,
mais que sombra, cor,
mais que luz, inverno:
hoje, redivivo
para sempre - eterno.

GRAÇAS - de Esman Dias












I

Por esta areia,
pelo rumor da chuva
e o silêncio sem nódoa

Pela faina dos meus
e, à noite, a casa,
hoje deserta,
mas que se foi em mim reduplicando.

Pelo fumo distante da planície
e o horizonte - mais vasto que a planície

Pelo rumor da chuva que se espalha,
a palavra contida e não dispersa,
o vinho turvo, o orgulho, a soberana
ironia
a espada enferrujada e o seu desuso,
eu te agradeço beleza e desperdício

e me perdôo a mim e à minha sombra
ferindo a claridade do teu dia
vão ganido de luz, fósforo no escuro,
o riso sem razão, a madrugada
e a solidão na jaula dos sentidos.

II

(A palavra estrangeira e o seu murmúrio,
essa fuligem de chaminés distantes.)

III

Eu me perdôo agora
pelo momento raro em que fui livre
e não me vi em mim. Vi-me em teu rosto.

E te perdôo, Senhor, o sopro aos quatro ventos.
E te agradeço a tarde, a praia, o mar, os búzios,
todo o esplendor que me ofertaste um dia
e a areia movediça em que me morro.

E o nada que perdi na maresia,
o nada do meu nome inominado,
o nada que retive para mim,
o nada
que ora ofereço em sacrifício ao nada
que te deixo ao partir, se me abençoas.
Perdôo-te, Senhor - se a mim perdoas.

Lacrimosa de Mozart















Quando o sol deixou o dia
O dedo apontando a saída
Os pés na sujeira
Os olhos bem fechados
A alma tensa
As lembranças devoradas
O futuro repleto de medo
Um anjo na porta do Inferno
Lúcifer no paraíso
Uma virgem sussurra meu nome

"Em nome do Pai, Filho e Espírito Santo
Amen"

Deixe minha luz brilhar ainda
E me dê seu nome
Fique quieto
E me deixe viver
Só este instante
Só este momento
Depois me leve com você
Me deixe rezar ainda
Me deixe fugir mais uma vez
Eu regressarei com você
Mas nunca com o diabo

"Em nome do Pai, Filho e Espírito Santo
Amem"

Quem está atrás de mim?
Eu não sou cego
Mas não posso ver mais nada
Chegou a hora, tenho razão?
Posso ainda dizer uma coisa?
Alguem ainda me ouve?
Ainda tem importância?
Quem ainda pode me perceber?
Aconteceu?
Passou?
Aconteceu?

Mundo Grande - C.D.A












Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso frequento os jornais, me exponho cruemente nas livrarias:
preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam o petróleo e livros, carne e algodão.
Visite as diferentes dores dos homens,
as diferentes dores do homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma. Não anuncia nada.
entretanto escorre nas mãos,
tão calma! vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos - voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.
Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem os homem.

Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
- Ó vida futura! Nós te criaremos.

Amar! - Florbela Espanca











Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

terça-feira, dezembro 05, 2006

Abril - de José Fanha, in "Tempo Azul"











Havia uma lua de prata e sangue
em cada mão.

Era Abril.

Havia um vento que empurrava o nosso olhar
e um momento de água clara a escorrer
pelo rosto de mães cansadas.

Era Abril
que descia aos tropeções
as ladeiras da cidade.

Abril
tingindo de perfume
os hospitais
e colando um verso branco em cada farda.

Era Abril
o mês imprescindível que trazia um sonho de bagos de romã
e o ar
a saber a framboesas.

Abril
um mês de flores concretas
colocadas na espoleta do desejo
flores pesadas de seiva e cânticos azuis
um mês de flores
um dia
um mar de flores
um mês.

Havia barcos a voltar
de parte nenhuma
em Abril
e homens que escavavam a terra
em busca da vertical.

O nosso lar passou a ser a rua
nesse mês sem sono.

Era Abril
e eu soltei o sumo
da palavras
e vi
dicionários a voar
nesse mês
e mulheres que se despiam abraçando
a pele das oliveiras.

Era Abril
que veio
que ardeu
e que partiu.

Abril que deixou sementes prateadas
germinando longamente
no olhar dos meninos por haver.

domingo, dezembro 03, 2006

É preciso não esquecer nada - de Cecília Meireles












É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.

terça-feira, julho 25, 2006

Etern-idade


Meu pai está preso. A fotografia dele que mais gosto é a que está no porta-retratos na estante do quarto – ele e mãe , dançando no "Baile dos Brotinhos". Seus olhos ainda jovens sorriam para a vida que se iniciava. Contemplo este mesmo olhar, quando acende seu cachimbo e deixa a fumaça dissolver os contornos. Em meio à neblina, onde a realidade se torna encanto, ele entra em seu mundo de sonhos.
Existem vários tipos de prisões. Vindo de família tradicional mineira, pai, foi homem de negócios rico e perdeu tudo. Mas como a neblina do cachimbo, não mais enxergou a realidade, se desfez em sonhos, e mora no passado, dentro da fotografia - em minha estante. Alberto Caeiro sabia que o ontem é um tipo de cárcere - quando vivo no passado, não consigo me enxergar no hoje:
"A recordação é uma traição à natureza.
Porque a natureza de ontem não é natureza.
O que foi não é nada, e lembrar não é ver.
Cada dia é uma nova vida, muitas possibilidades.
Mas a lembrança do que fui não me deixa enxergar o novo.
Estou coberto de saudades".
Como Adélia Prado diria: “O que a memória amou fica eterno”. Tentei entender sobre prisões, ausência e saudades. Meu pai talvez tenha medo de perder seu passado, ele não aprendeu que o que somos ninguém nos rouba, porque está eternizado em nossa alma. E me lembrei do poema de Drummond:
"Por muito tempo achei que ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não há lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
Que rio e danço e invento exclamações alegres,
Porque a ausência, essa ausência assimilada,
Ninguém a rouba de mim".

Nove-linha


Não suporto terceiras pessoas, é verdade, gosto de primeira, nada de segunda ou terceira.
Sim sou torta, errada, não sei nem onde me esqueci, mas isto também não importa, um dia alguém me encontra, e quem sabe este dia - dia esperado, muito mais que nove meses, toda uma desistência; imagina você..., pois bem, neste dia, quando me encontrarem, nos olhinhos verei, … este cabelinho de fiozinhos quebrados - este rostinho _ “tão linda, branquinha, com estas mãozinhas finas sobre a face, de alguém que não fez muito”, ensaiamos diálogos amigos, convincentes, todas as lágrimas que pensei em derr-amar.
Ai meus olhinhos que um dia me enamora-riam.
Quem pode, em sã consciência viver sem amor, diriam todos, em coral, refrão de Godard, gritem, vamos lá… vamos prevér-t o grande momento - todos os passos em rastros, desfilando asinhas. Repetições de esconde-esconde, pintadinhos de cor de rosa, alguns em azulznil, brincam de sobre-viver.
(Isabela Lage)
Imagem: Letra de Tom Jobim

sábado, julho 01, 2006

Coletânea


"O que mais dói na miséria é a
ignorância que ela tem de si mesma.
Confrontados com a ausência de tudo,
os homens abstém-se do sonho,
desarmando-se do desejo de serem outros".
(Mia Couto, Vozes Anoitecidas)

Jamais vou esquecer o dia em que prestei vestibular, com toda a ingenuidade de meus dezenove anos. Entrei em uma sala, com suas cadeiras e mesas enfileiradas. Adolescentes nervosos reliam alguns dos conteúdos que cairiam na prova, tentando o milagre de decorar todas as linhas que lhes apresentavam em frente aos olhos. Sentei-me e, por alguns segundos, não mais escutava as pessoas á minha volta. Baixinho, repeti quase como que em uma oração - “Esta carteira possui o meu nome”.

Dos anos que me separam deste meu rostinho, carregado de infância, muita coisa mudou. Contudo, algo prevaleceu: o sonho de ser Jornalista. Todos os obstáculos enfrentados ao longo do per-curso, foram necessários para meu amadurecimento pessoal e profissional. Aos poucos fui delineando meu caminho e re-descobrindo o Jornalismo que carrego em minha vida.

No mundo, onde descansam os meus, O Retrato na Parede, dita às ordens, “O jornalismo, é uma forma de literatura”, nestes elos de sangue que nos une/aprisiona, escuto as vozes que estão eternizadas e que aos poucos falam sobre as angústias e dúvidas que carrego. Sou uma sobrevivente, disto tenho certeza, sobrevivi ao meu próprio ser. Ao longo dos dias que passam, saio do baú, para me re-fazer em linhas.

Não é fácil resgatar todos estes anos. Vejo a menina ingênua, des-iludir, para novamente voltar a acreditar, e assim me sinto mais segura, porque no fim, todos os medos e obstáculos que, por vezes, tive de enfrentar, me trouxeram a persistência.

Lá do alto do Cauê, Carlitos, me responde – “(...) A meu ver, o cronista tem de ser um escritor. Se não for um escritor, não sabe dominar a língua, não sabe encontrar os efeitos graciosos que a palavra pode oferecer”.

A vida é mesmo uma bela colcha, com seus bordados delicados, que se entrelaçam. Sinto que a história desdobrou-se em proporções nunca antes imaginada. E, nesta busca constante, tentei conhecer os caminhos, assim como as vozes e as direções a seguir. Percebo a importância de se trabalhar a narrativa e os efeitos que as letrinhas podem sinalizar ao reconstruirem as pontes que re-ligam a nossa própria história, pois; do contrário, como diria Drummond, “(...) vai ser, então, um mero jornalista, sem qualificação. O jornalista que realmente se dedica à crônica é necessariamente um escritor (...)”

Esse olhar ao redor e o descobrir novas possibilidades e descortiná-las em meio às diferenças como riquezas, é um dos desafios no mundo em que vivemos. Precisamos adquirir a capacidade de responder aos nosso próprios questionamentos. Para assim, como diria Mia Couto, podermos “criar um mundo plural em que todos possam mundializar e ser mundializados”.

quinta-feira, junho 22, 2006

CÓDIGO DE PRAXIS...

Alguns críticos, diriam que esta mistura de poesias, este gosto pela literatura, do querer conhecer e abraçar ao “outro”, como forma de riqueza, acréscimo, seria algo kitsch. Desculpem-me, mas embora tenha estudado Estética e Cultura de Massas, creio que existe uma cultura dentro de cada um de nós, algo pessoal, assim como tem o universal. E não me importa o quanto misturo. O importante é que este é o meu ser. Encontro-me assim, nesta mistura sem limites, de literatura africana, de clássicos dos clássicos à música francesa, sou esta "colcha de re-atalhos", que sobrevive entre os tempos, a contragosto dos que possuem conhe-cimento. Não sou mercadoria, sou uma teia interligada.

(Isabela Lage)

Foto: Lina Faria ( http://www.olhodarua55.com/ )

Os fantoches e as bagagens...



Neste palco da vida, nada sei, as cortinas se abriram e nem ao menos tinha o texto em mãos. Olhei a minha frente, não sabia o que dizer. Dancei, todos aplaudiram. Falei palavras sem nexo, em um corpo vazio e acharam aquilo sublime. Até que cansei.
Sentei e fiquei ali, ... olhando, sem pensar, de longe escutava o zum-zum-zum e os olhares de repreensão.
Continuei calada, por um longo tempo, já nem me lembro quando retornei.

Percebi que nada tinha se modificado.

Levantei e me aplaudiram, foi quando disse, “_ Não há espetáculo, isto é um monólogo de um ser que não existe”.

Me apedrejaram.
Talvez fosse a única que não tinha o mapa. Olhei bem a minha volta, poderia tê-lo perdido, entre uma máscara e outra...

Ao caminhar pelo palco, fui vendo os corredores, em cada um, vi um tempo não vivido, uma parede amarelada, uma lágrima depositada.

Cega, fui tateando pela parede, sentia que estava úmida, mofada, escorregadia...
Por alguns instantes, me recolhi e tentava apenas não pensar.

Até que uma visão me arremessou junto a todo o entulho acumulado, bem lá no cantinho mais mofado e úmido.
Era uma luz, seguido de um fio finíssimo, estava em todo canto, a toda parte daquele lugar, levantei-me e comecei a segui-lo, e cada vez mais rápido, até que dei de encontro com o não esperado, eu ali, a minha frente, refletida.
Espelho da vida, por que se pôs neste labirinto de minha’alma (?), pensei. E nada me dizia. Cansada, recostei ali mesmo, sentia-me oca, vazia.
Apoiando-me ao fio brilhante, olhei para o espelho, foi quando redescobri “quando eu era grande”.
E todo o peso que carregava nas costas foi se desfazendo.

Não posso ser o reflexo dos sonhos e nem dos desejos de outrem, porque desta forma mato a menina que reside em minha essência.

Esta criança que por um longo período viveu em meio a paredes mofadas, mostrou-me sua força e sua persistência. E me senti pequenina perto de tamanha coragem.

Fiz do nada o tudo aparente. Encenando peças que nem ao menos sabia o que significavam. Aquela doce menininha, destemida, me ensinou que mesmo em meio às pedras podemos fazer poltronas confortáveis.

O tempo modifica tudo é só ter paciência, persistência e harmonia.

A ter entendimento entre o eu e o universo.

(Isabela Lage)
Foto: Lina Faria ( http://www.olhodarua55.com/ )

"Canção de Ninar"




"Hoje
acordei
sem ter dormido.
Achei que escutava
o som que vinha do amor...

eram apenas
lembranças,
entre as paredes
da infância.

Viajei,
fui looongeee...

Hoje é dia
de Papai Noel.

Com meu vestidinho
rosa,
anoiteço
- enquando se faz dia.

Noel não voltou,
eternizou-se,
para não mais
partir.

Do tempo,
saem estre-linhas
com renas
voadoras..."
(Isabela Lage)
Foto: Lina Faria ( http://www.olhodarua55.com/ )

Sobre este chão

"Há sete eternidades
de minh'alma,
vou colhendo os frutinhos
da validade em minério.

Nesta labuta diária,
as gotinhas es-correm,
traz- (s) endo presépio
de profundas conchinhas.

Vou decorando
meus passinhos
de valsa em terra
verme-lha".

(Isabela Lage)

Anos brancos



"Tem dor e
o-dor-es,
que não cabem em linhas,
porque já são
labir(s)into d'alma,

em pinceladinhas
delicadas,
monitoradas pela maquinaria
cor púrpura,

grite seu en-canto,
tente seu pranto.
Apague o rosa-sabiá
dos meus anos brancos".

(Isabela Lage)
Foto: Lina Faria ( http://www.olhodarua55.com/ )

Ninho de Taturana

Estou com medo. Os relâmpagos me assustam, não consigo dormir. Escondo-me por debaixo do cobertor e nada, eu continuo escutando os gritos quem vem lá do céu...
Debaixo de minha cama tem uma mão, sim, é verdade, minha irmã foi quem me disse, e ela não mente. Tenho o cuidado de não deixar minha coberta sair da cama, ou os meus pezinhos, podem me puxar de noite. Tati tem o sono muito pesado, não escutaria eu pedindo socorro se o esqueleto me pegasse – muita coisa mora debaixo de minha cama, mas eu num vou olhar não. Uma vez, vi um palhaço lá na porta do quarto de Sara, sim, na casa de minha prima também tem monstro. Acho melhor ir pra cama de Tati .
Deito entre as pernas dela, que nem gato. Arrasto tudo, meu travesseiro, minha coberta, meu bico – alias, uma corda de bicos amarrada, e é claro o "Chichico", meu cobertozim cheiroso. Pronto, agora estou segura, já nem escuto o barulho lá fora.
Minha irmã, já está na quarta série, ela já faz educação física! Eu sou pequena, pequena perto dela.
Como é grande o Ninho de Taturana, lá eu encontro abrigo e me sinto segura, ela não tem medo de nada.
No tempo que passa, continuo pequena e Taturana..., ahhh Taturana, como você é grande. Você nasceu sozinha, eu nasci por você. Não sei SER sem você.
(Isabela Lage)

Utopia de conchinha


"Desabafos de sal (?)”

Pérola Maior, você acha que sou frágil no amor? É talvez tenha razão, mas como deixar de ser? Por vezes, queria ser menos emocional e mais racional, ter metas superdefinidas e delineadas, mas meus caminhos não são assim, sou uma linha que se bifurca, que se encontra, pra novamente perde-se...Vivo neste ciclo, de sonhos-realidade (?).

Quando criança, dizia que ia ser escritora, mas faria jornalismo “pra não morrer de fome". Estas palavras ainda ecoam aqui dentro, como se fossem o som do a-mar, dentro de uma casca de caramujo. Estou perdida, na ida, já nem vejo o caminho.

Talvez o “Poeta Maior” tenha razão - “Itabira é apenas um retrato na parede, mas como dói...” Esta terra vermelha, este estado de ser-dor. Não posso fugir deste eu, morador do silêncio ensurdecedor. Alma-velha, demarcada pelos primos-de-primo - minério na cama. Nas costas, um baú de embuia, talhado com sonhos desfeitos, - “vai ser gauche na vida”; mas lembre-se, a vida é uma moldura de ferro.

Não tenho razão, nunca tive, procurei, procurei, de tanto procurar cheguei a tropeçar. Arrastei. Engatinhei. Sentei-voltei - "quando eu era grande", descobri, que sou um rastro, apenas uma conchinha-emoção. De um lado, minha vida é Amor - pessoas, livros, escrever, natureza; mas como sobreviver apenas de Amor?

Fico me perguntando, ando tanto, que me perco do que nem sei. Eu gosto de aprender, doar, da troca, do ato de ensinar mutuamente. Sou uma conchinha, pequenina - sem o brilho-melodia das que, por exemplo, você carrega em tuas mãos, e que iluminam as noites, acordando os pássaros e encantando as cigarras.

Já faz alguns anos, que estou me re-faz-sendo amiga da solidão... _Pois, "tão nova", deve pensar. Por vezes, esta criança aqui, dá de encontro com o dit-a-dor, habitante que reside entre labirintos. Sou cárcere no eu entre montanhas e refém desta aldeia global. Carrego o calvário das almas que me talharam. Não sei ser funcionária pública ou coisa parecida.

Drummond, foi funcionário público, jornalista e de quebra fez o que mais amava - Amor, era poeta-desabafo, procura em meio às letras, música em poesia e ainda tinha o poder de conciliar o viver e o emocional, com a razão, e eu, meu Deus, que nem dom-ar consigo...

A tristeza nasce-morre, da certeza que, ao fazer o que não é de minha alma, irei negar-me, e ser apenas uma lembrança, uma utopia. Vivo sem saber como fazer pra sobre-viver. Neste caminhar, por vezes apenas choro, e como bem sabe, só me resta um fio de sal na face, lembrança do tempo em que ainda produzia lágrimas.
Sou uma conchinha em meio às montanhas, sem mar, sem ar, procuro em meu Elo-Minério, as Pérolas refletidas por seres iluminados como Drummond e Lispector.

Em linhas de Clarice, eis que me projeto:

"Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..."

"Quando eu me comunico com criança é fácil porque sou muito maternal. Quando me comunico com adulto, na verdade estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma, daí é difícil... O adulto é triste e solitário. A criança tem a fantasia muito solta."

"Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca."

(Isabela Lage)



Foto: Lina Faria ( http://www.olhodarua55.com/ )

quarta-feira, junho 21, 2006

Entre joaninhas e calvário...

Um assovio do alto do morro do Beco do Calvário enche meu coraçãozinho de alegria, me despeço da tia e de meus amiguinhos e saio correndo, vou de encontro àqueles braços fortes e carinhosos.
Meu pai é tão grande e minhas mãos e passos tão pequenos e curtos, que faço um enorme esforço para alcançá-lo.
Com firmeza e ternura meu pai vai me conduzindo pelo caminho. Meus olhos querem ver tudo, quanto movimento, tem até uma anãzinha, quase do meu tamanho - todos os dias paro para vê-la, mas logo me lembro que pai já está bem adiante, então, saio, desembestada - correndo atrás dele.
Pai não tem tempo para coisas de criança, afinal ele já viu de tudo, conhece tudo. Ensina-me o nome disto e daquilo outro, como me comportar, me ensina a ser grande - adulta.
Queria ser como meu pai, que sabe de tudo, mas acho que ser grande não é muito bom, porque assim não mais terei tempo de olhar a joaninha que fica lá na cerca-viva de casa.
(Isabela Lage)

Cenários Eternizados...

Por que será que só depois que o tempo passa descobrimos certos mistérios da vida? Tenho que confessar - estive cara-a-cara com Papai Noel. Meus olhinhos brilhavam diante de tamanha maravilha – ele me presenteava com o fogãozinho, e suas panelinhas bordadas de sonhos, ligadas ao botijãozinho do tempo.
Talvez nunca tenha dito que sabia o segredo...
Disse várias vezes que o amava, mas isto não...
O eco de minha v-ida pede que lhe diga:
"_Pai – Eu sei que o senhor é o Papai Noel!"
Descobri o grande segredo aos quatro anos, e nos dias que passam, a alma velha se refaz em amor, ao relembrar das comidinhas de vida do fogãozinho en-cantado.
(Isabela Lage)