sexta-feira, agosto 31, 2007


"A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
existir como eu existo.

A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho".
(Fernando Pessoa)
Foto de Ana Assunção.

Smashing Pumpkins



Amo este Cd - me faz relembrar dos tempos em que estudava em Belo Horizonte, nos idos de 97 - 98 - ia visitar a minha prima, o apartamento dela era bem no alto da capital mineira, uma vista privilegiada - dava pra ver a cidade toda de lá, e assim, da janela, ficava a observar as luzes da cidade ao som destas músicas sentia uma paz, tranquilidade - a vontade de voar invadia minha vida.
O Grupo lançou o álbum duplo "Mellon Collie and the Infinite Sadness", em 1995. Com esse CD, a banda, que já havia conquistado os EUA, ganhou espaço em todo o mundo e entrou logo de cara no topo da parada da Billboard, sendo hoje o disco duplo mais vendido de todos os tempos.
As músicas deste Cd que mais gosto são - "Tonight, Tonight" e "1979".
Fotos do Smashing Pumpkins no festival Rock Am Ring, em Nürbug, Alemanha.

"Amor"- eu disse - e floriu uma rosa
embalsamando a tarde melodiosa
no canto mais oculto do jardim,
mas seu perfume não chegou a mim.

(Carlos Drummond de Andrade)
Imagem: Capa do Suplemento Literário que homenageava Drummond.



“Grande Sertões Veredas ” - Guimarães Rosa - no Museu da Língua Portuguesa.

Instituto Moreira Salles



O Instituto Moreira Salles - tem um acervo maravilhoso de manuscritos, imagens, textos, cifras, desde Pixinguinha, a Lispector e Lygia Fagundes Telles - documentos estes, que podem ser apreciados virtualmente - uma das maravilhas dos tempos atuais!
Fundado por Walther Moreira Salles (1912-2001) e mantido pelo Unibanco, o Instituto Moreira Salles é uma entidade civil sem fins lucrativos, criada em 1990, que tem por finalidade exclusiva a promoção e o desenvolvimento de programas culturais. Cinco são as suas principais áreas de atuação: fotografia, literatura, cinema, artes plásticas e música brasileira.
A sede fica em São Paulo, mas o Instituto mantém outras casas culturais no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte em Poços de Caldas, e muitas outras galerias, em Curitiba, Porto Alegre, Fortaleza e Santos - a próposito, a imagem acima é do prédio de Poços de Caldas, em Minas Gearis. É o Chalé Cristiano Osório: Construção de 1894 e que foi restaurado para abrigar os escritórios da administração, acervo e bibliotecas.

Trecho do manuscrito A Hora da Estrela (1977).
Acervo Paulo Gurgel Valente

"Enfim, enfim quebrara-se realmente o meu invólucro, e sem limite eu era. Por não ser, era. Até ao fim daquilo que eu não era, eu era. O que não sou eu, eu sou. Tudo estará em mim, se eu não for; pois "eu" é apenas um dos espasmos instantâneos do mundo.
Minha vida não tem sentido apenas humano, é muito maior - é tão maior que, em relação ao humano, não tem sentido. Da organização geral que era maior que eu, eu só havia até então percebido os fragmentos. Mas agora, eu era muito menos que humana - e só realizaria o meu destino especificamente humano se me entregasse, como estava me entregando, ao que já não era eu, ao que já é inumano.
E entregando-me com a confiança de pertencer ao desconhecido. Pois só posso rezar ao que não conheço. E só posso amar à evidência desconhecida das coisas, e só me posso agregar ao que desconheço. Só esta é que é uma entrega real." (Clarice Lispector)
Foto: Clarice Lispector com Carolina Maria de Jesus, que se consagrou em 1960 ao publicar o livro "Quarto de despejo – Diário de uma favelada". Acervo Paulo Gurgel Valente.

"Que ninguém se engane: só se consegue a simplicidade através de muito trabalho."
(Clarice Lispector)

Instantâneo batido no Itamaraty (14.06.41). Acervo Paulo Gurgel Valente.

"Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..."
(Clarice Lispector)
Fotografada por Bluma Wainer em Paris (1946). Acervo Paulo Gurgel Valente.

"Mas olhe todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer 'pelo menos não fui um tolo' e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia".

(Clarice Lispector, trecho do livro: UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES)
Humberto Werneck entrevista Clarice Lispector para as páginas do SLMG (foto: AEM)

"Já que há de se escrever que, ao menos, não se esmaguem com palavras as entrelinhas".
(Lispector)

"O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo."
(Clarice Lispector)

"Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la." (Clarice Lispector)

"A vida é igual em toda a parte e o que é necessário é a gente ser a gente."
(Clarice Lispector)
Pintura de August Macke - 'Casaco verde'

Confissão


"Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!"
(Quintana)
Foto de Rosina Lamberti

"Não somos responsáveis apenas pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de fazer."
( Molière)

Molière, por Antoine Coypel.

"Acredite Apenas"


"Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvidos ouvem !
Também não acredite no que seus olhos vêem e seus ouvidos ouvem !
Saiba também que não crer algo significa algo crer!"
( Bertolt Brecht )

A Casa Grande


“… mas eu queria ter nascido numa dessas casas de meia-água
com o telhado descendo logo após as fachadas
só de porta e janela
e que tinham, no século, o carinhoso apelido
de cachorros sentados.
Porém nasci em um solar de leões.
(…escadarias, corredores, sótãos, porões, tudo isso…)
Não pude ser um menino de rua…
Aliás, a casa me assustava mais do que o mundo, lá fora.
A casa era maior do que o mundo!
E até hoje
- mesmo depois que destruíram a casa grande –
até hoje eu vivo explorando os seus esconderijos…”

Mario Quintana (Esconderijos do tempo)
Foto de Ricardo Frantz, Igreja Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre.

Humildade


"Há muito tempo, Vida, prometeste
trazer ao meu caminho uma doida alegria
feita de espírito e de chama,
uma alegria transbordante, assim como esse
alvo clarão que se irradia
da orla festiva das enseadas,
e entre reflexos de ouro se derrama
do cântaro das madrugadas.

Eu, que nasci para um destino manso
de coisas suaves, silenciosas, imprecisas,
e que fico tão bem neste obscuro remanso
onde apenas se infiltra um perfume de brisas,
imagino a tremer: que seria de mim
se essa alegria
esplêndida, algum dia,
houvesse surpreendido a minha inexperiência!...

A vida me iludiu, mas foi sábia na essência.

Minha alegria deveria ser assim:
Pequenina doçura delicada,
gota de orvalho em pétala de flor,
sempre serena lâmpada velada
que me diluísse as brumas do interior.

Sempre serena lâmpada velada,
símbolo do meu sonho predileto...
Se amanhã tu penderes do meu teto
aureolando minha última ilusão,
- para que eu viva em teu amor e em tua paz,
deixa um rastro de sombra pelo chão...
É nesta sombra que hei de me esconder
quando sentir a falta que me faz
a outra alegria que não pude ter!"

Henriqueta Lisboa – do livro Velário (1930 – 1935)
Foto: Flores no Parque Itacolomi, Ouro Preto - MG, por Eduardo Tropia.

Tuas palavras, Amor


"Como são belas e misteriosas tuas palavras, Amor!
Eu não as tinha pressentido,
eu era como a terra sonolenta e exausta
sob a inclemência do céu carregado de nuvens,
quando, igual a uma chuva torrencial de verão,
tuas palavras caíram da altura em cheio
e se infiltraram nos meus tecidos.

O' a minha pletora de alegria!...
As árvores bracejaram recebendo as bátegas entre as ramas,
as corolas bailaram numa ostentação de taças repletas,
os frutos amadurecidos rolaram bêbedos no solo.
E eu vivi a minha hora máxima de lucidez e loucura
sob a chuva torrencial de verão!

Como são belas e misteriosas tuas palavras, Amor!...
Minha alma era um rochedo solitário no meio das ondas,
perdido de todas as cousas do mundo,
quando, ao passar dentro da noite na tua caravela fuga,
tu me enviaste a mensagem suprema da vida.
A tua saudação foi como um bando de alvoroçadas gaivotas
subindo pelas escarpas do rochedo, contornando-lhe as arestas,
aureolando-lhe os cumes.

E a minha alma esmoreceu ao luar dessa noite,
ilha branca da paz, num sonho acordado...

Amor, como são belas e misteriosas as tuas palavras!... "

Henriqueta Lisboa – do livro: Velário (1930 – 1935)

Foto: Rafael Teixeira. Cachoeira de Cocais.
Cocais, distrito de Barão de Cocais.

Os Lírios



"Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranqüila".

(Henriqueta Lisboa)
Antiga Farmácia de D. Nini, em Sta Bárbara
(Foto: Rafael Teixeira)

Mostra de Cinema de Itabira


"2ª Pedra que Brilha",confira a programação.

O evento já esta a todo vapor na terrinha de minério, começou dia 29 de agosto e vai até dia 6 de setembro - com um show imperdível de Lô Borges; o Paredão da rua Tiradentes, Espaço Cinemax e praça do Areão serão os palcos da atividade cultural.
Visão parcial do Paredão, no Centro Histórico de Itabira - Rua Tiradentes

Casa de Affonso Penna





Affonso Augusto Moreira Penna.

Nasceu em Santa Bárbara, 30 de novembro de 1847 e morreu no Rio de Janeiro, no dia 14 de junho do ano de 1909. Presidente do Brasil entre 15 de novembro de 1906 e 14 de junho de 1909, data de seu falecimento. Antes da carreira política, foi advogado e jurista.

Fotos de Rafael Teixeira - Santa Bárbara - M.G.


"No oceano integra-se (bem pouco)
uma pedra de sal.

Ficou o espírito, mais livre
que o corpo.

A música, muito além
do instrumento.

Da alavanca,
sua razão de ser: o impulso,

Ficou o selo, o remate
da obra.

A luz que sobrevive à estrela
e é sua coroa.

O maravilhoso. O imortal.

O que se perdeu foi pouco.

Mas era o que eu mais amava".
(Henriqueta Lisboa)

Foto de Eduardo Tropia - Barão de Cocais - MG - Casarão de Cocais

Serena


"Essa ternura grave
que me ensina a sofrer
em silêncio, na suavi-
dade do entardecer,
menos que pluma de ave
pesa sobre meu ser.
E só assim, na levi-
tação da hora alta e fria,
porque a noite me leve,
sorvo, pura, a alegria,
que outrora, por mais breve,
de emoção me feria."

(Henriqueta Lisboa)
Foto: Pablo Picasso, Bullfight and Pigeons, 1890.


Pouco conhecida do público, a mineira Henriqueta Lisboa foi consagrada por críticos do porte de Antônio Cândido e Alfredo Bosi como uma das poetisas mais bem-sucedidas da moderna literatura brasileira.Henriqueta Lisboa nasceu em Lambari MG em 15 de julho de 1904. Estudou no Colégio Sion da cidade de Campanha MG e dedicou-se ao magistério. Estudou línguas e letras no Rio de Janeiro e, em Belo Horizonte, lecionou literatura nas universidades locais. Desde o segundo livro, Enternecimento (1929), recebeu vários prêmios literários, inclusive a Medalha da Inconfidência de Minas Gerais, com Madrinha Lua (1952), e o Prêmio Brasília de Literatura (1971) pelo conjunto de sua obra. Inicialmente identificada com o simbolismo, Henriqueta Lisboa aceitou a influência do modernismo, mas permaneceu fiel aos temas de sua terra e de sua gente. A partir de Prisioneira da noite (1941) atingiu um lirismo que, nas palavras de Alfredo Bosi, distingue-a como "sutil tecedora de imagens capazes de dar uma dimensão metafísica a seu intimismo radical". Autora ainda de A face lívida (1945), seu livro mais importante, Flor da morte (1949), Lírica (1958) e outras obras, Henriqueta Lisboa morreu em Belo Horizonte em 9 de outubro de 1985.
Visite: Acervo de Escritores Mineiros - FALE/UFMG - Henriqueta Lisboa


“…A infância inquieta
ficou no medo da noite
quando a lamparina vacilava mortiça
e ao derredor tudo crescia escuro, escuro…
A menininha ríspida
nunca disse a ninguém que tinha medo,
porém Deus sabe como seu coração batia no escuro,
Deus sabe como seu coração ficou para sempre diante da vida
— batendo, batendo assombrado!”

Henriqueta Lisboa - Infância - “Prisioneiro da Noite (1941)

“Aço em Flor: a poesia de Paulo Leminski”



na rua erma


na rua erma de ruídos
retiro,
de dentro dos monturos,
um pouco de futuro

um pouco de futuro
separo
com esmero
e gravo,
onde o ruído ainda é raro,
um desejo:

quero o abandono
que só a noite dá
quando já nem noite há

(Fabrício Marques)
Foto de Rafael Teixeira - Santa Bárbara - Minas Gerais.

paisagem na neblina


O vento brando e breve
soprou sobre o monjolo
que, em movimento,
cobriu as franjas do passado

névoas,
nódoas,
nuvens,
nadas

E veio a bruma,
acabrunhada

(Fabrício Marques)
Foto de Rafael Teixeira - Vista das montanhas de Sta. Bárbara - MG

neruda encontra lorca


"De mim fugiam pássaros
às quatro horas da tarde.

Pássaros tranquilos,
pássaros lentos
de mim fugiam,
deixando em meu peito,
no entanto, suas asas.

Às quatro horas da tarde sem vento".

(Fabrício Marques)
Foto de Rafael Teixeira - Altar-mor da Igreja Matriz de Santo Antônio em Santa Bárbara - MG

jardim para o sonho do tigre


"brincam de ser minhas
coisas que dizem
ao mínimo silêncio,
tenho fome
e a sede se avizinha

desexplicadas,
as coisas se revelam
revirando as trevas pelo avesso

desperto do sonho
cercado de paredes
e, tigre, reconheço
onde a minha fome
quando o meu silêncio
qual a minha sede"

(Fabrício Marques)
Foto de Rafael Teixeira - Arco Cruzeiro da Igreja Matriz de Santo Antônio - Sta Bárbara - MG

"nada levar
deste mundo
sem sílabas
sem letras
sem textos
ágrafo"

(Fabrício Marques)
Foto de Rafael Teixeira - Forro do Altar-mor da Igreja Matriz de Santo Antônio - em Santa Bárbara, MG.

cantares


"Põe-me como selo
sobre o teu coração.
Onde desconheço,
me guiem tuas mãos.

(Mesmo o sol é frio
Quando amor não há)

Com teus olhos,
me faz ver o que não vejo.

(No céu se movem nuvens com nervos de aço)

Escuta, desce uma voz da amplidão:
Põe-me como selo sobre o teu coração.

Em cima, em baixo, antes, dentre
sim e sempre e para além
Estarei até não estar mais"

(Fabrício Marques, em Samplers)
Imagem Sacra , foto por Eduardo Tropia.

sinta meu pulso


"Eis que projeto um poema
sobre o abismo branco
da página em alarme.
Ao primeiro descuido
e à minha revelia,
jaz e volta, germe
que adquire vida própria.
Com poderes de reger-me,
manda que eu vá
pela selva selvagem
dos textos e dos sentidos.
E, antes de ir-me,
com amor me
olha, e diz, como diria
meu pai: fique firme"

(Fabrício Marques)
Cidade : Barão de Cocais - M.G. - Foto: "Barão Sobre Trilhos"

Fabrício Marques


O Fabrício Marques* foi meu professor na Univale - Universidade Vale do Rio Doce, em Governador Valadares - MG. O ano era 1999 e com toda a paciência do mundo me ensinou todas as etapas de um Jornal - tanto dentro de uma sala de aula, quanto na prática - já que era também o responsável pelo Jornal Laboratório - "O Foca".

RÉQUIEM
"se queres
a palavra inaudita
na ponta da língua
inaudível
vai em paz
se queres
de aços exatos
uma linguagem
que corte fô1ego
alvo
branco
VAI EM PAZ"
(Fabrício Marques- in Meu pequeno fim).

*Fabrício Marques de Oliveira - nasceu no dia 22 de novembro de 1965, na cidade de Manhuaçu, leste de Minas Gerais. É poeta, jornalista e mestre em Teoria da Literatura, com dissertação sobre a poesia de Paulo Leminski, é também Doutor em Literatura Comparada, onde defendeu a tese sobre a poesia de Sebastião Nunes .
O jornalista e professor do UNI-BH Fabrício Marques passeia pela prosa, mas tem com a poesia a relação mais marcante. Até mesmo seu único livro em prosa trata de poesia. No ensaio “Aço em Flor: a poesia de Paulo Leminski”, o escritor faz uma análise detalhada sobre a obra do poeta paranaense. Além disso, seu primeiro livro de poemas, “Samplers”, já veio ao mundo sob a luz do Prêmio Cultural de Literatura do Estado da Bahia. Após os dois primeiros, vieram “Meu pequeno fim”, de poemas, e o mais recente, “Dez Conversas”, que reúne entrevistas com grandes poetas brasileiros, como Affonso Ávila, Millôr Fernandes, Antônio Risério e Sebastião Nunes.
No jornalismo, Fabrício Marques atuou em jornais e revistas, como Diário da Tarde, O Tempo, e Palavra, além de trabalhar como free-lancer para a Folha de S.Paulo e no Estado de Minas, trabalhou também na revista Palavra (2000). De janeiro de 2004 a fevereiro de 2005, o poeta teve a oportunidade de conciliar, mais intimamente, seus lados escritor e jornalista. Durante esse período, ele foi editor do Suplemento Literário de Minas Gerais (SLMG), tradicional publicação mineira voltada principalmente para a literatura, fundada por Murilo Rubião, em 1966. “Foi uma experiência enriquecedora”, diz o ex-editor do SLMG. “Teve o lado de jornalista, o de escritor e o de administrador”, complementa.
É de Marques o posfácio de “Pavios Curtos”, lançado em 2004 pelo jornalista e escritor José Aloise Bahia. “O livro sofre uma nítida influência da visualidade, sobretudo das artes plásticas, pois sou um pequeno colecionador. Ele também trabalha a poética das imagens e, como bem aponta Fabrício Marques no posfácio, avança sobre a questão da ética das imagens”, conta José Aloise Bahia.
Depois do primeiro livro, o jornalista se dedica a dois outros trabalhos. Um deles, que avança para o campo das artes plásticas, é a compilação de uma série de depoimentos dos alunos da primeira e segunda gerações do pintor brasileiro Guignard, que viveu no século passado. Segundo palavras do próprio escritor, “para ser lançado em um futuro não muito longínquo”. Ele prepara também um livro, em forma de dissertação, sobre o programa “Linha Direta”, da Rede Globo de Televisão. “Fiz uma análise da linguagem imagética e discursiva do programa”, explica Aloise.Para o poeta, o jornalismo é uma escola objetiva e técnica para os escritores. “Chega um momento em que a gente se pergunta o porquê de não de poder ir além na linguagem e na forma”, diz. “O jornalismo é um trampolim para a vida literária, uma janela que desperta, na maioria das vezes, a vocação para a criação. A literatura é a dimensão e o reino da liberdade para o jornalista”, complementa o escritor.

terça-feira, agosto 28, 2007

Sombra


"Eu não me lembro de mim,
Não me lembro de ninguém.
– Sou a lembrança de mim?
Sou a lembrança de alguém?
Sou uma sombra delida
Vivendo um sonho de vida?
Eu, afinal, o que sou?
Qual o caminho em que vou?
Meus passos onde vão dar?
Vou devagar? Vou depressa?
Vou depressa ou devagar?

– Nada, afinal, me interessa:
Eu sei apenas que sou
O nada inútil que sou;
E apenas tenho o poder
De poder continuar,
Sem poder compreender
E sem saber duvidar.

E a vida?
É sonâmbula esquecida?
É morte transfigurada?
A vida, afinal, é vida,
Ou a vida não é nada?
E tudo, tudo o que vejo,
Desde o mar ao céu sem fim,
Serão formas do Desejo
Que vive dentro de mim?
Serão formas enganosas
– Sombra, e luz, e céu, e mar?
Aparências mentirosas?
Ilusões do meu olhar?

E eu afinal o que sou?
Qual o caminho em que vou?
Sou noite? Sou alvorada?
Vou ascender ou cair?
– Eu, afinal, não sei nada…
Eu sei apenas sorrir…

Eu próprio me desconheço.
E, nesta hora em que vou,
Desconhecendo, aborreço
O nada inútil que sou.

Já, num desvairo profundo,
A chorar, me procurei
Pelos caminhos do mundo!
Mas, sem poder encontrar
Em mim, a minha verdade,
Nunca amei nem desejei
Perder-me em sonhos, e amar…
– Assim nasceu a saudade.

E assim eu vivo, a cismar,
Perdido em mágoas sem fim;
E vendo, nos céus, a brilhar
Os astros, fico a chorar,
Como saudoso de mim.

Tive, nos olhos, dois céus
De luz divina e sagrada,
E fui a sombra animada
Da luz eterna de Deus.

Em sonho, fui luz de aurora
No esplendor da Eternidade!
Mas, hoje, a minha alma chora
No desterro da saudade…

E eu, afinal, o que sou?
Qual o caminho em que vou?

Sou noite? Sou alvorada?
Vou ascender ou cair?

Eu, afinal, não sei nada,
Eu sei apenas sorrir…"

Guilherme de Faria (1924).
Foto: José e Guilherme de Faria[20 de Novembro de 1911]

Atrás do tempo, outro tempo,
Atrás da sorte, outra sorte:
Se eu não for feliz na vida,
Sê-lo-ei, depois, na morte?

Guilherme de Faria [1927]

SERENAMENTE


"Serenamente, lembro o meu passado:
Das suas esperanças nada espero,
E sorrio ao seu mal desesperado
Como ao bem das promessas, que não quero.

Que hoje, da vida, só desejo a calma
Da indiferença, num sorriso aberto…
E, na certeza de que tudo é incerto,
Descansa as tuas dúvidas, pobre alma!

Do teu cansaço e tua dor, descansa!
É neste brando enlevo que eu te quero,
Sorrindo ao fundo duma nova esp’rança
Como à ilusão dum novo desespero".
( Guilherme de Faria)


Manuscrito de Guilherme de Faria [sem data].
Guilherme de Faria nasceu em Guimarães, no dia 6 de Outubro de 1907.
Foi poeta e editor. Suicidou-se na Boca do Inferno [Cascais], no dia 4 de Janeiro de 1929.

”As mãos que dizem adeus são pássaros
Que vão morrendo lentamente...”
(Mário Quintana)
Foto: Les Grandes Vacances (Robert Doisneau)

Eu Voltarei


"Meu companheiro de vida será um homem corajoso de trabalho,
servidor do próximo,
honesto e simples, de pensamentos limpos.
Seremos padeiros e teremos padarias.
Muitos filhos à nossa volta.
Cada nascer de um filho
será marcado com o plantio de uma árvore simbólica.
A árvore de Paulo, a árvore de Manoel,
a árvore de Ruth, a árvorede Roseta.
Seremos alegres e estaremos sempre a cantar.
Nossas panificadoras terão feixes de trigo enfeitando suas portas,
teremos uma fazenda e um Horto Florestal.
Plantaremos o mogno, o jacarandá,
o pau-ferro, o pau-brasil, a aroeira, o cedro.
Plantarei árvores para as gerações futuras.
Meus filhos plantarão o trigo e o milho, e serão padeiros.
Terão moinhos e serrarias e panificadoras.
Deixarei no mundo uma vasta descendência de homens
e mulheres, ligados profundamente
ao trabalho e à terra que os ensinarei a amar.
E eu morrerei tranqüilamente dentro de um campo de trigo ou
milharal, ouvindo ao longe o cântico alegre dos ceifeiros.
Eu voltarei...
A pedra do meu túmulo
será enfeitada de espigas de trigo
e cereais quebrados
minha oferta póstuma às formigas
que têm suas casinhas subterra
e aos pássaros cantores
que têm seus ninhos nas altas e floridas
frondes.
Eu voltarei..."
(Cora Coralina)
Obs.: Infelizmente, não encontrei os créditos de nenhuma das fotos de Cora Coralina.

O Cântico da Terra



"Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranqüila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.

E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos."

(Cora Coralina)

TODAS AS VIDAS


"Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Troouxa de roua,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São Caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca grossa,
de chinelinha
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada
tão murmurada...
Fingindo alegre
seu triste fado.

Todas as vidas
dentro d mim:
Na minha vida -
a vida mera
das obscuras".

(Cora Coralina)


" Feliz daquele que aprende o que ensina".
(Cora Coralina)

Conclusões de Aninha


"Estavam ali parados. Marido e mulher.
Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça
tímida, humilde, sofrida.
Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho,
e tudo que tinha dentro.
Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar
novo rancho e comprar suas pobrezinhas.

O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula,
entregou sem palavra.
A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou,
se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar
E não abriu a bolsa.
Qual dos dois ajudou mais?

Donde se infere que o homem ajuda sem participar
e a mulher participa sem ajudar.
Da mesma forma aquela sentença:
"A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar."
Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada,
o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso
e ensinar a paciência do pescador.
Você faria isso, Leitor?
Antes que tudo isso se fizesse
o desvalido não morreria de fome?
Conclusão:
Na prática, a teoria é outra."
(Cora Coralina)

Aninha e suas pedras


"Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos
poemas.
Recria tua vida, sempre,
sempre.
Remove pedras e planta
roseiras e faz doces.
Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos
jovens
e na memória das
gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de
todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede."
(Cora Coralina)