sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Se (RUDYARD KIPLING - tradução de Féliz Bermudes)

Se podes conservar o teu bom senso e a calma
No mundo a delirar para quem o louco és tu...

Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê...Se vais faminto e nu,

Trilhando sem revolta um rumo solitário...
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão...

Se podes dizer bem de quem te calunia...
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
(Mas sem a afectação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)...

Se podes esperar sem fatigar a esperança...
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho...
Fazer do pensamento um arco de aliança,
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho...

Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores...
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo o amor dos teus amores...

Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste...

Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste,
Voltares ao princípio a construir de novo...

Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos,
Só exista a vontade a comandar avante...

Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre...
Se vivendo entre os reis, conservas a humildade...
Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti à luz da eternidade...

Se quem conta contigo encontra mais que a conta...
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minute se espraie em séculos fecundos...

Então, á ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os tempos, os espaços!...
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu,
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.
Pairando numa esfera acima deste plano,
Sem receares jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te, meu filho, então serás um homem!...

"CONSELHOS DE UM VELHO APAIXONADO"

Quando encontrar alguém e esse alguém fizer
seu coração parar de funcionar por alguns segundos,
preste atenção: pode ser a pessoa
mais importante da sua vida.

Se os olhares se cruzarem e, neste momento,
houver o mesmo brilho intenso entre eles,
fique alerta: pode ser a pessoa que você está
esperando desde o dia em que nasceu.

Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo
for apaixonante, e os olhos se encherem
d'água neste momento, perceba:
existe algo mágico entre vocês.

Se o 1º e o último pensamento do seu dia
for essa pessoa, se a vontade de ficar
juntos chegar a apertar o coração, agradeça:
Algo do céu te mandou
um presente divino : O AMOR.

Se um dia tiverem que pedir perdão uma
o outro por algum motivo e, em troca,
receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos
e os gestos valerem mais que mil palavras,
entregue-se: vocês foram feitos um pro outro.

Se por algum motivo você estiver triste,
se a vida te deu uma rasteira e a outra pessoa
sofrer o seu sofrimento, chorar as suas
lágrimas e enxugá-las com ternura, que
coisa maravilhosa: você poderá contar
com ela em qualquer momento de sua vida.
Se você conseguir, em pensamento, sentir
o cheiro da pessoa como
se ela estivesse ali do seu lado...

Se você achar a pessoa maravilhosamente linda,
mesmo ela estando de pijamas velhos,
chinelos de dedo e cabelos emaranhados...

Se você não consegue trabalhar direito o dia todo,
ansioso pelo encontro que está marcado para a noite...

Se você não consegue imaginar, de maneira
nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado...

Se você tiver a certeza que vai ver a outra
envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção
que vai continuar sendo louco por ela...

Se você preferir fechar os olhos, antes de ver
a outra partindo: é o amor que chegou na sua vida.

Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes
na vida poucas amam ou encontram um amor verdadeiro.

Às vezes encontram e, por não prestarem atenção
nesses sinais, deixam o amor passar,
sem deixá-lo acontecer verdadeiramente.

É o livre-arbítrio. Por isso, preste atenção nos sinais.
Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem
cego para a melhor coisa da vida: o AMOR!

(Carlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Amor de Índio - Composição: Beto Guedes e Ronaldo Bastos


Tudo que move é sagrado
E remove as montanhas com todo cuidado, meu amor

Enquanto a chama arder
Todo dia te ver passar
Tudo viver ao teu lado
Com o arco da promessa no azul pintado pra durar

Abelha fazendo mel
Vale o tempo que não voou
A estrela caiu do céu
O pedido que se pensou
O destino que se cumpriu
De sentir teu calor
E ser todo

Todo dia é de viver
Para ser o que for
E ser tudo

Sim, todo amor é sagrado
E o fruto do trabalho é mais sagrado, meu amor

A massa que faz o pão
Vale a luz do teu suor
Lembra que o sono é sagrado
E alimenta de horizontes o tempo acordado de viver

No inverno te proteger
No verão sair pra pescar
No outono te conhecer
Primavera poder gostar
No estio me derreter
Pra na chuva dançar
E andar junto

O destino que se cumpriu
De sentir teu calor
E ser tudo

Retrato Falante - Cecília Meireles


Não há quem não se espante, quando
mostro o retrato desta sala,
que o dia inteiro está mirando,
e à meia-noite em ponto fala.

Cada um tem sua raridade:
selo, flor, dente de elefante.
Uns têm até felicidade!
Eu tenho o retrato falante.
Minha vida foi sempre cheia
de visitas inesperadas,
a quem eu me conservo alheia,
mas com as horas desperdiçadas.

Chegam, descrevem aventuras,
sonhos, mágoas, absurdas cenas.
Coisas de hoje, antigas, futuras...
(A maioria mente, apenas.)
E eu, fatigada e distraída,
digo sim, digo não - diversas
respostas de gente perdida
no labirinto das conversas.

Ouço, esqueço, livro-me - trato
de recompor o meu deserto.
Mas, à meia-noite, o retrato
tem um discurso pronto e certo.
Vejo então por que estranho mundo
andei, ferida e indiferente,
pois tudo fica no sem-fundo
dos seus olhos de eternamente.

Repete palavras esquivas
sublinha, pergunta, responde,
e apresenta, claras e vivas,
as intenções que o mundo esconde.
Na outra noite me disse: "A morte
leva a gente. Mas os retratos
são de natureza mais forte,
além de serem mais exatos.

Quem tiver tentado destruí-los,
por mais que os reduza a pedaços,
encontra os seus olhos tranqüilos
mesmo rotos, sobre os seus passos.
Depois que estejas morta, um dia,
tu, que és só desprezo e ternura,
saberás que ainda te vigia
meu olhar, nesta sala escura.

Em cada meia-noite em ponto,
direi o que viste e o que ouviste.
Que eu - mais que tu - conheço e aponto
quem e o que te deixou tão triste."

O BICHO - Manoel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio Catando comida nos detritos
Quando achava alguma coisa
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato,

o bicho, meu Deus, era um homem.

Estrela da Manhã - Manoel Bandeira


Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã

O Filho Que Eu Quero Ter - Vinicius de Moraes

É comum a gente sonhar, eu sei,
Quando vem o entardecer;
Pois, eu também dei de sonhar
Um sonho lindo de morrer.
Vejo um berço e nele eu me debruçar
com um pranto a mim correr
e assim chorando acalentar
o filho que eu quero ter.

Dorme, meu pequenininho
Dorme, que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho
De tanto amor que ele tem.

De repente eu o vejo se transformar
No menino igual a mim
Que vem correndo me beijar
Quando eu chegar lá de onde vim.
Um menino sempre a me perguntar
Um porquê que não tem fim
Um filho a quem só queira bem
E a quem só diga que sim.

Dorme, menino levado
Dorme, que a vida já vem
Teu pai está muito cansado
De tanta dor que ele tem.

Quando a vida enfim me quiser levar
Pelo tanto que me deu,
[Sentir-lhe] a barba me roçar
No derradeiro beijo seu.
E ao sentir também sua mão vedar
Meu olhar dos olhos seus,
[Ouvir-lhe] a voz a me embalar
Num acalanto de adeus.

Dorme, meu pai sem cuidado
Dorme, que ao entardecer
Teu filho sonha acordado
Com o filho que ele quer ter.

POEMA - Carlos Pena Filho


Senhora de muito espanto,
vestindo coisas longínquas
e alguns farrapos de sono,

eu vim para te dizer
que inutilmente contemplo
na planície de teus olhos
o incêndio do meu orgulho.

Senhora de muito espanto,
sentada além do crepúsculo
e perfeitamente alheia
a realejos e manhãs.

Eu vim para te mostrar
que se inaugurou um abismo
vertical e indefinido
que vai do meu lábio arguto
ao chumbo do teu vestido.

Senhora de muito espanto
e alguns farrapos de sono,
onde o céu é coisa gasta
que ao meu gesto se confunde.

Um dia perdi teu corpo
nas cores do mapa-múndi.

SONETO DO DESMANTELO AZUL - Carlos Pena Filho



Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas,

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Ao Silêncio do Poeta



Belinha de Deus! Você é milagrosa!
Toda vez que você me aparece
uma coisa boa acontece
você merece uma prece:
Ave guria, cheia de graça!
Isso aí embaixo parece ser um belo frevo.

"quando você se cala o silêncio fala
canta o galo zumbe a abelha
mia o gato pia o pinto ruge o leão

quando você se cala o silêncio fala
a baleia bufa o burro zurra
o bezerro berra o bode bala ladra o cão

quando você se cala o silêncio fala
grasna o ganso o rato guincha
o cavalo rincha bate meu coração

quando você se cala o silêncio fala
a cigarra estrila a hiena gargalha
estalo os dedos e canto esta canção"

Retta. Verão 2007
Para o silêncio da musa.

"Abelinha"


"Era uma Abelhinha tão belinha
que pediu a Deus o que não tinha:
- Quero uma flor e uma amiguinha!
- Quero uma rosa e uma borboletinha!

Deus - que não era nenhum Papai Noel,
que realiza sonhos e desejos a granel -
Deus, que sabe de onde vem o mel,
deu para a Abelinha... espaço no céu.

Acostumada a voar com o pensamento
a Abelhinha se deixou levar pelo vento
aproveitando aquele doce momento:
- Se a felicidade não existe eu invento!

Deus gostou do que ouviu e fez um teste.
- No cacto e na lagarta a cor se manifeste,
entre espinhos a delicadeza mais rupeste
e a flor voe até a mais alta folha do cipreste!

Chamou a Abelhinha e deu o seu presente.
Que vendo a lagarta e o cacto tão contentes
sentiu pela primeira vez uma felicidade latente:
- O amor que a gente sente é amor diferente!

"Quem ama o feio leva cada susto" disse Millôr.
A abellhinha gostar da lagarta e do cacto não é pior
do que fazer do gato sapato ou espinho na flor?
- Na lagarta ou no cacto o que nasceu foi o amor."

(Retta)

Imagem: Retta ( www.rettamozo.multiply.com )