terça-feira, julho 25, 2006

Etern-idade


Meu pai está preso. A fotografia dele que mais gosto é a que está no porta-retratos na estante do quarto – ele e mãe , dançando no "Baile dos Brotinhos". Seus olhos ainda jovens sorriam para a vida que se iniciava. Contemplo este mesmo olhar, quando acende seu cachimbo e deixa a fumaça dissolver os contornos. Em meio à neblina, onde a realidade se torna encanto, ele entra em seu mundo de sonhos.
Existem vários tipos de prisões. Vindo de família tradicional mineira, pai, foi homem de negócios rico e perdeu tudo. Mas como a neblina do cachimbo, não mais enxergou a realidade, se desfez em sonhos, e mora no passado, dentro da fotografia - em minha estante. Alberto Caeiro sabia que o ontem é um tipo de cárcere - quando vivo no passado, não consigo me enxergar no hoje:
"A recordação é uma traição à natureza.
Porque a natureza de ontem não é natureza.
O que foi não é nada, e lembrar não é ver.
Cada dia é uma nova vida, muitas possibilidades.
Mas a lembrança do que fui não me deixa enxergar o novo.
Estou coberto de saudades".
Como Adélia Prado diria: “O que a memória amou fica eterno”. Tentei entender sobre prisões, ausência e saudades. Meu pai talvez tenha medo de perder seu passado, ele não aprendeu que o que somos ninguém nos rouba, porque está eternizado em nossa alma. E me lembrei do poema de Drummond:
"Por muito tempo achei que ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não há lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
Que rio e danço e invento exclamações alegres,
Porque a ausência, essa ausência assimilada,
Ninguém a rouba de mim".

Nove-linha


Não suporto terceiras pessoas, é verdade, gosto de primeira, nada de segunda ou terceira.
Sim sou torta, errada, não sei nem onde me esqueci, mas isto também não importa, um dia alguém me encontra, e quem sabe este dia - dia esperado, muito mais que nove meses, toda uma desistência; imagina você..., pois bem, neste dia, quando me encontrarem, nos olhinhos verei, … este cabelinho de fiozinhos quebrados - este rostinho _ “tão linda, branquinha, com estas mãozinhas finas sobre a face, de alguém que não fez muito”, ensaiamos diálogos amigos, convincentes, todas as lágrimas que pensei em derr-amar.
Ai meus olhinhos que um dia me enamora-riam.
Quem pode, em sã consciência viver sem amor, diriam todos, em coral, refrão de Godard, gritem, vamos lá… vamos prevér-t o grande momento - todos os passos em rastros, desfilando asinhas. Repetições de esconde-esconde, pintadinhos de cor de rosa, alguns em azulznil, brincam de sobre-viver.
(Isabela Lage)
Imagem: Letra de Tom Jobim

sábado, julho 01, 2006

Coletânea


"O que mais dói na miséria é a
ignorância que ela tem de si mesma.
Confrontados com a ausência de tudo,
os homens abstém-se do sonho,
desarmando-se do desejo de serem outros".
(Mia Couto, Vozes Anoitecidas)

Jamais vou esquecer o dia em que prestei vestibular, com toda a ingenuidade de meus dezenove anos. Entrei em uma sala, com suas cadeiras e mesas enfileiradas. Adolescentes nervosos reliam alguns dos conteúdos que cairiam na prova, tentando o milagre de decorar todas as linhas que lhes apresentavam em frente aos olhos. Sentei-me e, por alguns segundos, não mais escutava as pessoas á minha volta. Baixinho, repeti quase como que em uma oração - “Esta carteira possui o meu nome”.

Dos anos que me separam deste meu rostinho, carregado de infância, muita coisa mudou. Contudo, algo prevaleceu: o sonho de ser Jornalista. Todos os obstáculos enfrentados ao longo do per-curso, foram necessários para meu amadurecimento pessoal e profissional. Aos poucos fui delineando meu caminho e re-descobrindo o Jornalismo que carrego em minha vida.

No mundo, onde descansam os meus, O Retrato na Parede, dita às ordens, “O jornalismo, é uma forma de literatura”, nestes elos de sangue que nos une/aprisiona, escuto as vozes que estão eternizadas e que aos poucos falam sobre as angústias e dúvidas que carrego. Sou uma sobrevivente, disto tenho certeza, sobrevivi ao meu próprio ser. Ao longo dos dias que passam, saio do baú, para me re-fazer em linhas.

Não é fácil resgatar todos estes anos. Vejo a menina ingênua, des-iludir, para novamente voltar a acreditar, e assim me sinto mais segura, porque no fim, todos os medos e obstáculos que, por vezes, tive de enfrentar, me trouxeram a persistência.

Lá do alto do Cauê, Carlitos, me responde – “(...) A meu ver, o cronista tem de ser um escritor. Se não for um escritor, não sabe dominar a língua, não sabe encontrar os efeitos graciosos que a palavra pode oferecer”.

A vida é mesmo uma bela colcha, com seus bordados delicados, que se entrelaçam. Sinto que a história desdobrou-se em proporções nunca antes imaginada. E, nesta busca constante, tentei conhecer os caminhos, assim como as vozes e as direções a seguir. Percebo a importância de se trabalhar a narrativa e os efeitos que as letrinhas podem sinalizar ao reconstruirem as pontes que re-ligam a nossa própria história, pois; do contrário, como diria Drummond, “(...) vai ser, então, um mero jornalista, sem qualificação. O jornalista que realmente se dedica à crônica é necessariamente um escritor (...)”

Esse olhar ao redor e o descobrir novas possibilidades e descortiná-las em meio às diferenças como riquezas, é um dos desafios no mundo em que vivemos. Precisamos adquirir a capacidade de responder aos nosso próprios questionamentos. Para assim, como diria Mia Couto, podermos “criar um mundo plural em que todos possam mundializar e ser mundializados”.