quinta-feira, setembro 27, 2007

Uma prosa com Carlos Drummond de Andrade

É mais gostoso ouvir a voz do poeta, mas se lermos esta sua entrevista imaginando a fala pausada, tranqüila, mineira, estaremos mais próximos não só da sabedoria, mas da própria intimidade do gênio.

“Entrevista inédita com Carlos Drummond de Andrade? Cê tá brincando!” Felizmente, não estava. Era sério. Ouvi um pedaço da fita cassete, já bem velha, datada de 1984. A entrevista existia mesmo. Era o Drummond falando sobre velhice e morte. Mas, como ela foi feita? Quando? Onde? E por quê ela permaneceu inédita até agora? Renan Garcia Miranda, professor de história e escritor, conta como tudo aconteceu:

“Em 1984, quando éramos estudantes de Jornalismo, na PUC- SP, eu e o José Eduardo Duó (hoje roteirista e proprietário do restaurante Santa Gula na Vila Madalena em São Paulo) tivemos a idéia de fazer um programa de rádio sobre a velhice, como parte do curso. Acontece que uma de nossas colegas de classe, a Raquel (com quem perdemos contato e por isso vai aqui sem sobrenome), era aparentada de Drummond e se ofereceu para tentar uma entrevista. Bolamos as perguntas e as enviamos junto com uma fita cassete.

Pouco tempo depois, a fita chegou de volta com um bilhete de Drummond, que nosso intolerável desleixo deixou escapar em algum lugar do passado. No bilhete, Drummond falava de seu prazer em responder àquelas perguntas e contava como elas haviam sido respondidas: numa tarde de domingo, após o almoço, com a família reunida e a filha Maria Julieta lendo as questões. A imagem de como aquelas perguntas de aprendizes foram respondidas, sem a presença do jornalista e seu alvará de intrometido, nos agradava e continua nos agradando. Parecem caber numa paixão medida.

Posteriormente à entrevista, se a memória - quebrada lembrança - não estiver falhando, contamos com o auxílio de Juraci de Souza, hoje um azougue dos arquivos do Dedoc na editora Abril, para editá-la sob a forma de um programa de rádio e transmiti-la uma única vez, através do sistema de rádio interno da PUC. Nós nunca a transcrevemos para o papel, nunca a reproduzimos de novo.”

Quinze anos se passaram, e a fita foi “desenterrada” em uma dessas noites frias de julho, quando eu visitava o Renan. No meio de uma conversa jogada fora, ele mencionou a entrevista e a existência da gravação. Foi o suficiente para que eu passasse a infernizar a vida do pobre rapaz: exigi que revirasse o apartamento até encontrar a fita. Isso explica por quê ela permaneceu inédita até agora: faltava o tal do “jornalista com alvará de intrometido” para dar publicidade a um documento tão importante. Segue, na íntegra, a transcrição da entrevista.

A moça que leu as perguntas, Maria Julieta (“a pessoa que mais amei no mundo”, segundo disse o próprio poeta), morreu em 5 de agosto de 1987, após uma longa e dolorosa guerra contra o desenvolvimento do câncer no tecido ósseo. Seu pai se foi doze dias depois, em um domingo, às 20h45, por insuficiência respiratória provocada por infarto.

Entrevista com Carlos Drummond de Andrade no dia 30 de julho de 1984, na rua Conselheiro Lafaiete. Podemos começar?
Sim.

A primeira pergunta de Rachel é a seguinte, eu vou ler: “Gostaríamos que fizesse um perfil de você mesmo, da seguinte maneira, como era aos 22 anos, agora aos 82, e qual a transformação mais importante que sofreu nestes sessenta anos?”
Aos 22 anos eu era um rapaz muito inseguro com relação aos rumos a tomar, mas tinha uma namorada, e tinha preocupações literárias. Esses dois quadros parece que, de certa maneira, me ajudaram a enfrentar o problema da perplexidade que costuma ocorrer aos jovens, ou que pelo menos ocorria com certo rigor na minha geração. Bem, não era uma pessoa estudiosa, não levava a vida muito a sério, mas os mecanismos de preparação para a vida funcionavam inconscientemente em mim. Eu já publicava crônicas e pequenos poemas de verso livre nas revistas do Rio de Janeiro, e tinha sobretudo a fortuna de contar com um grupo de amigos todos eles mais estudiosos do que eu, levando a vida mais a sério do que eu porque trabalhavam, tinham os seus empregos fixos, e eram acadêmicos de direito, de medicina etc., e essas pessoas, como eu já tenho assinalado em outras entrevistas, foram muito camaradas para comigo, porque me recebiam de igual para igual, me tratavam como se eu fosse uma pessoa que realmente tivesse algum merecimento, então me estimulavam muito e de certa maneira ajudavam a enfrentar as barras da inquietação, da angústia que eram minhas companheiras bastante inseparáveis. Aos 82 anos, evidentemente, esse quadro é completamente outro. São sessenta anos de vida, e seria muito difícil que alguém não tivesse aprendido nada durante esse tempo, não tivesse recolhido nenhuma parcela de filosofia da vida, de comportamento, de compreensão das coisas. Então, eu acho que agora eu estou, evidentemente, muito mais equipado para viver, embora a margem de vida que sobra não seja a maior. Mas, de qualquer maneira, o caminho percorrido assinala isso, que eu fui de evolução em evolução, de passo em passo e passo a passo, ou talvez um pouco aos tropeções, mas fui vivendo ao longo da vida e aprendendo coisas. Eu acho que a diferença fundamental não existe entre o jovem inquieto e um velhinho já mais ou menos tranqüilo, o temperamento não mudou, apenas as experiências me ajudaram a ver mais claro as coisas que eu via então de uma maneira um pouco embaçada.

Vamos ver a segunda pergunta: “Como você sentiu a sua produção literária alterando-se com o passar dos anos? Se sentiu, de que maneira?”
Não, não senti, porque essa evolução se opera um pouco inconscientemente, você vai adquirindo novos meios de expressão, vai penetrando o sentido das coisas, ou tentando penetrar, e naturalmente pela leitura, pela reflexão, pelo hábito de escrever, vai se aprimorando o seu aparelho literário, a sua forma literária, os seus recursos verbais. Então, essa coisa só pode ser verificada depois comparando-se o que eu escrevia aos 22 anos e o que eu escrevo aos 82. Não creio que eu tenha feito um milagre de estar escrevendo agora coisas extraordinárias. Não, eu apenas acho que agora escrevo com mais consciência, e também é importante dizer, com mais dificuldade do que eu tinha aos 22 anos, porque passei a ter uma noção mais íntima da língua em que eu escrevo e das dificuldades que ela tem, e uma certa preocupação maior de usar a palavra própria, o termo adequado, e não um termo aproximado, ou um termo impressionista como eu então fazia, porque eu cuidava mais dos adjetivos, cuidava mais de uma forma de exprimir minhas emoções, do que propriamente de construir uma obra literária correta, e com conhecimento das particularidades da língua, e também com a preocupação de dizer alguma coisa que não fosse exclusivamente emocional, e sim uma coisa que envolvesse uma visão mais ou menos crítica da vida.

A pergunta número três: “Você sente que a sua memória vem falhando com o passar do tempo?”. E a segunda parte: “Até que ponto a memória é importante para o exercício das atividades poéticas?
Eu considero a memória um repositório fabuloso de elemento, uma espécie de enciclopédia que nós temos dentro de nós, e que vai sendo utilizada ao longo da vida. No meu caso, então, eu acho que a memória foi o que me valeu muito, porque eu não tenho estudos regulares, não tenho uma formação cultural perfeita, ou aproximadamente perfeita, mas tenho uma certa habilidade de procurar nas fontes mais recomendáveis as coisas que eu preciso saber para o efeito de escrever. Então, essa habilidade me permite consultar livros e documentos e textos e interpretá-los de uma maneira que só a memória poderia fornecer, porque se eu não tivesse essa memória, eu não saberia utilizar esses conhecimentos. Eu leio uma página de um escritor há vinte anos atrás, se eu me recordo dela, eu vou ao livro onde ela está, e posso reconstituir a emoção que eu senti, ou a impressão que eu tive lendo essa página. Agora, por outro lado, a memória é muito traiçoeira. E, no meu caso, parece que a quantidade de memória que me foi distribuída não é a das mais opulentas, pelo contrário, ela falha sempre, tenho uma triste memória visual. Sou capaz de não reconhecer seis meses depois uma pessoa que me causou profunda impressão pelo seu aspecto físico ou pela sua maneira pessoal de ser. Troco muito os nomes das pessoas, e esqueço muitas vezes ao falar a palavra que devia, nesse momento, por exemplo, a palavra que deveria pronunciar, ela não sai da minha cabeça, a não ser cinco minutos depois, quando já não adianta mais. Da mesma maneira a dificuldade de reagir a uma pergunta qualquer, responder uma indagação ou mesmo enfrentar uma situação difícil, no meu caso é muito precária, porque a solução ideal, o comportamento ideal esse só me ocorre quando já passou a situação. Mas eu acho que, mesmo não contando com a memória muito fiel, eu sei explorar com bastante habilidade essa pouca memória que eu tenho.

A pergunta seguinte é composta de três partes. “A crônica diária escrita nos jornais envelhece muito rapidamente por estar ligada às situações do cotidiano.” Pergunta: “Como fica a relação da poesia com o tempo? O que significa dizer que a poesia é atemporal?” Não estou vendo muito bem a relação.
Não tem muito nexo. A crônica realmente pela sua natureza é fugitiva, fugidia, ela passa depressa. Agora, não obstante nós devemos reconhecer que crônicas escritas há quase cem anos por um cidadão chamado Machado de Assis estão hoje vivas como naquele tempo. Os acontecimentos perderam a atualidade, mas a crônica não perdeu, porque elas traduzem uma visão tão sutil, tão maliciosa, tão viva da realidade, que o acontecimento fica valendo pela interpretação que Machado de Assis. Nesse sentido, a crônica não é assim tão passageira.
Por outro lado, eu devo dizer também que já tenho seis ou sete livros constituídos de crônicas, e essas crônicas, não quero me gabar de coisa nenhuma, parece que elas não perderam a atualidade porque nem sempre elas comentam um fato do dia, ou quando comentam elas procuram dar uma extensão maior a esse fato, e generalizar, fazer uma reflexão qualquer sobre a vida, sobre os costumes, sobre a política, sobre os homens, à margem de um acontecimento transitório. E, sendo assim, a crônica tem uma certa chance de permanecer. Agora, por outro lado, eu devo reconhecer que cerca de 80 por cento, senão mais, das crônicas escritas por mim não podem perdurar porque em primeiro lugar eu não as achei adequadas a formarem um livro, e depois porque o jornal que é tão vivo no dia é uma sepultura no dia seguinte. Então, essas coisas escritas ao sabor do tempo perdem completamente não só a atualidade como o sabor, o sentido, a significação. Quando se fala de um determinado indivíduo que foi importante no Brasil, isso é tão comum uma pessoa ser importante vinte anos, durante dez anos, depois ficar completamente esquecida na política, na administração, no empresariado, na literatura, então a crônica que aborda um fato ou uma circunstância de vida dessa pessoa, perdeu completamente o sentido, porque essa própria pessoa perdeu o sentido. Então não é propriamente a crônica, é o acontecimento que ela reflete que perdeu a significação. Agora, a outra parte da pergunta me parece alheia, em todo caso, vamos a ela.

“Como fica a relação da poesia com o tempo, e o que significa dizer que a poesia é atemporal?”
A poesia com o tempo? A relação da poesia com o tempo, naturalmente, vem disso que todos nós vivemos no tempo e dentro do tempo, condicionados por ele. Então, a poesia que nós fazemos, mesmo não parecendo referir-se a esse tempo, ela traz a marca do tempo que nós vivemos, mesmo não sendo uma poesia estritamente temporal, não abordando temas que circulam hoje, que são hoje considerados importantes. Mas a poesia, a meu ver, se considerada na sua expressão mais pura, ela transcende o tempo, é exatamente uma das formas de transcendência do tempo, como a arte em geral, porque a ciência já não é assim. Um conhecimento científico da atualidade perdeu completamente o valor hoje, só tem valor histórico, mas um poema, como os poemas de Homero, os poemas de Virgílio, os poemas da Horácio na antiguidade clássica, hoje podem ser lidos, exigem naturalmente uma certa formação cultural, como se tivessem sido escritos hoje. AArte de Amar de Ovídio é atualíssima, os detalhes que ela enumera a respeito do modo de amar, das carícias que podem ser feitas, das reações masculinas e femininas, das conseqüências deste ou daquele impulso são coisas que acontecem na vida inteira. Então, a poesia refletindo isso, ela por sua vez é eterna. Também porque nós precisamos às vezes de um certo refúgio contra o tempo, queremos nos libertar, queremos ficar livres da pressão demasiada dos acontecimentos. Onde nós procuramos? Nós procuramos na música, nas artes plásticas, ou procuramos na poesia, são formas de transcender o imediato e o real e fugir a ele, nos elevando acima dele.

A pergunta número cinco é sobre o modernismo, diz o seguinte “Das concepções que originaram o modernismo quanto à liberdade formal, ideologia etc., o que você considera ultrapassado, e o que ainda é atual e por que?”
Quem deve responder melhor essa pergunta foi Mário de Andrade quando enumerou as conquistas do modernismo, que estão naquela famosa conferência dele pessimista sobre o modernismo. Ele pessoalmente achou que o modernismo era um movimento ultrapassado, e que ele tinha falhado porque não tinha dado um caráter mais permanente à sua obra. Mas as conquistas, digamos assim, técnicas do modernismo, culturais do modernismo, a atualização da inteligência brasileira, por assim dizer, embora pareça pretensioso, o fato de o modernismo ter trazido um novo estilo literário, um estilo que ficou até hoje, porque todas as liberdades que hoje se usa e se abusa na literatura, todas elas são fruto do modernismo. A desarticulação da sintaxe clássica sem desrespeito naturalmente ao fio condutor do pensamento, que nada tem a haver com as formas gramaticais rígidas, é uma conquista do modernismo. É um pensamento mais livre. O Brasil se libertou de uma poesia, de uma literatura copiada, imitada de cânones que ninguém mais nem cogitava. Fazia-se poesia no Brasil sobre a Grécia antiga, sobre a Idade Média, a poesia brasileira era um reflexo, era uma cópia apagada de poesias que tinham sido feitas em séculos anteriores. Isso tudo passou e hoje há uma liberdade de criação que só se deve ao modernismo. Eu tenho a impressão de que a herança dele é muito grande. Agora, como movimento evidentemente ele passou. Livros do modernismo, com exceção de um ou outro hoje, dão a impressão de datados. As originalidades do Oswald de Andrade, são interessantes consideradas como feitas em 1920, mil novecentos e vinte e poucos. Já o Macunaíma é um livro que, tão bem estruturado, tão bem composto no aproveitamento das fontes indígenas ligadas a uma visão maliciosa do caráter brasileiro, esse livro, a meu ver, fica independente de escola. Mas, as outras obras, essas daí valeram mais como um marco de uma evolução literária, um combate à rotina. Mas, como datadas que foram, elas já não têm hoje a intensidade que teria, digamos, a obra de um Guimarães Rosa, que, embora não tenha assim ligação direta ou não tivesse ligação consciente com o modernismo, pode ser considerada como um fruto evidente do modernismo.

Pergunta número seis: “Como você avalia o papel das vanguardas literária, política, intelectual etc., e qual é a sua relação com tais vanguardas?”

Eu não me dou bem com as vanguardas, ou as vanguardas não se dão bem comigo. Eu lamento muito, mas não posso fazer nada, porque eu acho as vanguardas uma coisa puramente superficial, e que não deixa traço na vida cultural brasileira. O vanguardista é um homem que rompe com todos os cânones, procura fazer uma coisa de estardalhaço, de ruído, de escândalo, e que passa com maior rapidez possível. Hoje, acho que ninguém fala mais em poesia concreta, em poesia práxis nessas coisas. Elas foram realmente curiosas na ocasião em que apareceram. Eles se gabam muito historicamente que na Suíça foram citados, na Alemanha e outros países da Europa, mas o fato é o seguinte, não fica uma poesia, eu estou falando da vanguarda poética, uma poesia que não tenha raízes profundas na sensibilidade humana e na consciência artística. Se nós queremos desarticular a linguagem a um ponto em que só restam palavras ou meias palavras, o resto são sons, ou meras consoantes ou meras vogais, então nós estamos desarticulando um trabalho que durante milhares e milhares de anos o homem fez para compor uma linguagem equilibrada, e artisticamente válida. É a negação da arte, é a negação da poesia, da literatura, do pensamento, é um brinquedo que não chamaria de maluco, mas é um brinquedo entre infantil e entre adulto, sem consciência, sem noção do que deva ser um brinquedo, que o caráter lúdico da criança geralmente é maravilhoso, nós todos já fomos criança, e lembramos com saudade do tempo em que nós inventávamos o brinquedo, que nós transformávamos um objeto num outro, tínhamos uma visão fantástica da vida. Então, não podendo ver, nós convivíamos com príncipes, com fadas, com dragões, com uma porção de coisas que não existem na realidade, mas dentro da atmosfera infantil, aquela coisa era uma realidade viva. Então, eu acho uma criança muito mais criativa do que um poeta adulto que as frases aparentemente estranhas, ou frases chocantes, das quais não resulta nada. Eu acho que a história da literatura não é a história da vanguarda. A vanguarda são, por assim dizer, intervalos numa evolução que se processa de uma maneira muito diferente.

Pergunta número sete: “Aos 21 anos, como você se imaginava com a idade que tem hoje? Tinha medo de envelhecer, que angústias em relação à velhice sentia nessa época?”
Não, eu acho que aos 21 anos, não. Eu deveria ser um jovem como outro qualquer, assim que não tinha muita consciência da vida, e não sabia o que era a velhice, não podia saber, olhava para os velhos assim com uma certa pena deles, “coitados, estão velhos”, e não se dava conta de que um dia chegaria a nossa vez. Não guardo uma impressão muito grande da minha reação diante dos velhos, diante da hipótese da minha velhice.

A pergunta seguinte me parece que já está respondida, em todo caso não quero interferir. “De um modo geral, os jovens estão preparados para envelhecer? Por que as pessoas têm tanto medo da velhice?”
Eu acho que ninguém está preparado para envelhecer. É uma coisa que a vida se encarrega de nos trazer, sem que nós tenhamos pedido, nós não influímos nesse assunto, a mocidade não espera a velhice, não receia a velhice, e ninguém está preparado para envelhecer, ela vem como uma fatalidade biológica.

“Como você encara a morte?”

Aí é que está a pergunta realmente central da entrevista, porque, quando se fala em velhice, no fundo nós estamos escamoteando um nome, que seria esse, como é que você considera a morte? O que é que você espera? O que você pensa da morte? Porque a velhice é apenas uma fase como a infância, a adolescência, como a mocidade, como a maturidade, então tudo são fragmentos de um conjunto que é a vida, com a particularidade apenas de que a velhice é aquele segmento, aquela parte da vida em que a idéia de morte se apresenta assim frontalmente. Na infância, ela não existe; na mocidade, não a consideramos; na maturidade, a gente começa a ter uma vaga noção de que a morte pode vir para nós como vem para as outras pessoas.
Mas é na velhice que a idéia de morte se realiza plenamente, com todo vigor, com toda nitidez. Primeiro porque nós vemos os nossos amigos envelhecerem, nós não percebemos muito a nossa velhice. Mas convivendo com pessoas que dia a dia aparecem com os traços do rosto mais marcados, com o cabelo mais branqueado ou ausente, com os gestos mais lentos, com o andar mais arrastado, e com interesses intelectuais e humanos de toda natureza mais limitados, nós nos damos conta de que existe a velhice. Mas, neste primeiro estágio, nós ainda nos consideramos privilegiados, porque nós ainda não reparamos na nossa velhice. É preciso que os outros reparem, é preciso que os outros nos tratem com atenções especiais ou com o desprezo pela velhice, é preciso que as outras pessoas que nos rodeiam nos façam sentir que nós estamos velhos. Aí, então, nós começamos a sentir realmente a velhice, mas sempre com uma resistência interior, com um esforço: “Eu estou velho fisicamente, mas eu não estou velho intelectualmente”; é diferente. Mas já agora não é propriamente a idéia de estar velho que nos preocupa, é a idéia da morte, de quando ela chegará. Eu acredito que essa idéia é fecunda, é boa, não é daquelas idéias que nos deprimem. É até conveniente que a gente pense nisso, porque do contrário nós nos arriscamos a ter uma surpresa terrível, se uma moléstia grave nos acomete, nos prende à cama ou nos invalida durante muito tempo, e nós não percebemos que aquela moléstia é uma moléstia preparatória da morte, que a morte chegou sob aquela forma cruel, mas uma das formas positivas. Então, a idéia de morte, digo, eu me refiro a meu caso pessoal, ela está sempre presente na minha frente. Mas não se apresenta de uma forma assim muito dolorosa. Evidentemente não é agradável, não vou dizer que eu tenho prazer, eu não tenho prazer nenhum, preferia ficar por aqui mesmo, embora sob determinadas condições, uma delas é que não estivesse fisicamente inválido, incapaz de viver, de sentir, de amar, de brincar, de trabalhar, de fazer coisas, né ? Então, a morte considerada assim com realismo, como um termo natural de uma vida, apresenta até, digamos, ás vezes, um aspecto consolador, porque ela significa uma extinção completa das crises, dos conflitos, dos tumultos que acompanham a vida humana desde o nascimento até o final. Evidentemente, não é uma idéia assim muito feliz, como estava dizendo, mas acredito que a preparação para a morte, seja um dos trabalhos filosóficos do ser humano mais recomendados. É a pessoa sentir que não é eterno, sentir que deve dar lugar aos mais moços, sentir que não deve levar ao trágico esse final, e preparar-se para não dar trabalho aos outros, na medida do possível, e sobretudo depois da morte, porque é muito chato o sujeito morrer deixando os seus negócios atrapalhados, deixando a vida complicada para a família, para os amigos etc. Isso eu acho que não é uma coisa má. E nesse sentido, tanto quanto é possível ver dentro de mim, eu não vejo muito claramente, não tenho esta luz mágica que me permite me conhecer perfeitamente, eu não acho que a idéia de morte não só fica sendo aceitável, razoável, como fica sendo uma coisa natural.

A pergunta número dez: “Você acha que o ‘fantasma’”, isso foi entre aspas, “que o fantasma da velhice pode levar alguém ao suicídio? Na sua opinião, o suicídio de Nava tem relação com esse fantasma?”
Eu não acho que o suicídio do velho seja um caso específico vinculado à velhice. Em qualquer idade as pessoas se matam. Há casos doloríssimos de crianças que se matam, os jovens não se falam, porque não sabem nada da vida, ficam perturbados com qualquer crise, acham que o mundo está acabado, não sabem resolver o problema, e se matam. Os homens maduros também, os velhos também. No caso dos velhos, pode haver até um suicídio, digamos, filosófico, um suicídio racionalizado, de pessoa que sentindo-se incapaz de viver, porque a vida já não oferece mais nenhum interesse, e a própria pessoa só oferece problemas, só com problema para os outros, então essa pessoa considera possível encerrar a sua vida, e se mata. Eu acho isso razoável. O caso do Pedro Nava não me parece tenha sido exatamente esse. Eu não posso analisá-lo bem porque Nava não deixou sinais de motivação do seu ato. Então, foi uma resolução, ao meu ver súbita, num momento de solidão em que ele não estava apoiado em nenhum amigo, nenhuma força solidária que pudesse demovê-lo dessa idéia, ele então, num momento de desespero, resolveu se eliminar. Respeito muito o ato dele, mas lamento muito que nós, os amigos dele, não tenhamos podido fazer alguma coisa por ele. Fazer aquilo que ele fez com um de nossos amigos que estava também disposto a suicidar-se em conseqüência de uma profunda depressão psicológica. Ele foi à casa desse amigo altas horas da noite, chamado pelo amigo, aliás, e tomou o revólver que ele tinha no quarto e intimou-o com a maior severidade a tratar-se, a reagir contra a depressão. Salvou a vida desse nosso amigo, e não salvou a sua própria. Mas acho, continuo achando, que o homem é dono do seu destino, é dono da sua vida, não posso acusá-lo.

Pergunta número onze: “Um dos principais medos da velhice está no temor da impotência sexual. Como você encara essa questão? Em que medido isso é verdade? E até que ponto não se trata de um preconceito?” (riso)
Você está dizendo que é um dos principais medos da velhice, vocês falam isso sem autoridade, porque vocês são jovens. O problema da sexualidade na velhice não é assim tão grave como pode parecer. De fato, perder, abrir mão dos prazeres da sexualidade não é nada agradável para ninguém, mas isso pode ocorrer em qualquer idade, não é privativo da velhice. Há casos até em que essa perda é até muito precoce. O que há é o seguinte, o que eu posso assegurar a vocês é que a sexualidade é um valor permanente na vida das pessoas, ela não desaparece, ela não acaba. Podem diminuir, reduzir-se, anular-se os meios de realização formal e habitual da sexualidade. Mas a imaginação criadora sempre opera nesses casos, e Deus, ou a natureza, seja que poder for, permite que as pessoas velhas também sintam prazer sexual independente das suas restrições fisiológicas. Posso tranqüilizar então vocês para uma futura velhice. (risos)

A última pergunta, não sei se é última, não, tem seguimento, a número doze “Por que a sociedade não prepara as pessoas para a velhice? Que interesses estão por trás de uma sociedade que marginaliza os velhos?”
Eu acho que vocês estão sendo muito rigorosos com relação à sociedade neste particular. A sociedade, em certo sentido, ela prepara, ela tem um certo apreço pelos velhos. As provas são as organizações existentes no mundo de previdência social. Todo país hoje, todo Estado tem um órgão de previdência social. Ele é deficiente, ele sofre as conseqüências da falta de poder econômico, das restrições financeiras, mas existe, coisa que não existia no Brasil da minha infância, da minha mocidade. Há sessenta anos atrás não havia nada, havia uma coisa tétrica chamada Asilo da Velhice Desamparada. Era uma coisa tão triste, a começar pelo nome, que as próprias pessoas que se internassem lá deviam sentir-se infelizes, porque chamar a velhice de abandonada é realmente cruel. Então, esses asilos deveriam ser lamentáveis. Hoje, não. Hoje existem clínicas geriátricas onde as pessoas, mediante um pagamento ajustado, têm os prazeres da convivência com outras pessoas da mesma idade, têm um ambiente em que elas podem jogar, podem brincar, e podem namorar também. Então , é assim.
Agora, o estado não é deficiente só no tratamento aos velhos. O Estado é deficiente em tudo, pelo menos no nosso país. O Estado é deficiente na educação primária, secundária e universitária. O Estado é deficiente nos programas de saúde, nos programas de urbanização, em tudo mais de urbanismo. Então, eu acredito que não haja da parte do Estado, como força assim organizadora, controladora da vida social, intenção de desprezar os velhinhos. O que há muitas vezes é que o Estado é incapaz, é incompetente para fazer os programas e para executá-los, dando condições realmente de conforto, de estabilidade, de segurança aos velhinhos.

Não é mais uma pergunta, mas, enfim, a parte final da entrevista diz o seguinte: “Gostaria que você declamasse os versos seus que foram declamados oportunamente por uma senhora, dona Micaela”. Diz aqui: “Uma simpática senhora de 84 anos que também cedeu um pouco de seu tempo para os rapazes”. Parece que ela se referiu a esses versos, e eles pediram para que você dissesse.
São uns versinhos que eu fiz para um livro de memórias infantis em que eu me referia a pessoas da minha família e pessoas das relações, de pessoas que constituíam o mundo de Itabira, pequeno mundo de Itabira. E este é referente a minha irmã, Maria das Dores, a minha irmã caçula, que era o “ai-Jesus” da família. Meus pais tinham por ela um encantamento especial. Era uma garota muito bonita, como foi também uma moça muito bonita, já morreu. O poeminha é o seguinte:

Era um brinquedo Maria
Era uma história Maria
Era uma nuvem Maria
Era uma graça Maria
Era um bocado Maria
Era um mar de amor Maria
Era uma vez, era um dia, Maria

Há ainda aqui um pós-escrito, que diz o seguinte: “Procuramos sintetizar nessas doze perguntas a relação do poeta com a velhice. O tema é amplo e complexo, reservamos esse espaço final para uma eventual abordagem que você julgue necessária, e que nos tenha fugido de alguma forma na concepção das questões”.
Não me ocorre dizer nada de especial, achei as perguntas interessantes, e respondi com prazer, sem nenhum constrangimento. Não omiti resposta nenhuma, e vocês tinham me autorizado a isso, mas não havia nada a omitir. Eu quero agradecer a Rachel e seus companheiros pela simpatia que manifestaram por mim fazendo essas perguntas a esse velhinho que se sente muito satisfeito, muito contente. Um abraço pra vocês todos. Ia me esquecendo, vou fazer um pós-escrito verbal. Esta entrevista resultou de uma reunião familiar, estamos todos aqui no meu escritório, minha filha Maria Julieta foi quem leu as perguntas para mim, quem ajudou a manobrar o gravador foi o meu neto Pedro Augusto; e tudo isso foi assistido pela minha querida companheira de 59 anos de casamento, Dolores; um abraço e um beijo para vocês todos.

A ocupação do município de Itabira dá-se nas duas primeiras décadas do século XVIII. Segundo relato do cônego Raimundo Trindade, por volta de 1705, padre Manoel do Rosário e João Teixeira Ramos descobrem ouro de aluvião nas proximidades do Córrego da Penha. A partir de então, ergue-se uma capela e logo após, as primeiras casas, pertencentes aos exploradores do ouro. Assim como em todo lugarejo minerador, o povoado se inicia no entorno da igreja e próximo desse córrego.
Em 1720, os irmãos Farias de Albernaz se aventuram em busca do ouro nessa região. Porém, esse metal precioso é fugaz e logo acaba. Isso traz como conseqüência desenvolvimento ínfimo para o povoado. O que poucos sabem é que o solo, rico em minério de ferro, traria mais progresso que o ouro, no entanto a Coroa Portuguesa proibia qualquer exploração e beneficiamento daquele metal.
Em fins do século XVIII, descobre-se as lavras da Conceição, de Itabira (atual Cauê) e de Santana e a exigência de técnicas de exploração faz surgir as companhias de mineradores que utilizam mão de obra escrava. Nesse período definem-se os arruamentos de Santana, do Rosário e dos Padres.
Nos primeiros anos do século XIX a decadência dos grandes núcleos de mineração não é sentida no povoado de Itabira que atraí habitantes das regiões empobrecidas. Em 1817, o naturalista e viajante Auguste de Saint-Hilaire de passagem pela região registra (...) “a povoação de Itabira se achava numa fase de notável esplendor. (...) Havia aí muitas casas lindas de sobrado e construíam-se novas apesar dos enormes dispêndios que era necessário fazer retirar madeiras dos morros vizinhos.” (...)
Paralelas a extração aurífera, surgem as primeiras explorações do minério de ferro que, a partir de 1808, são liberadas pela Coroa Portuguesa. O isolamento, devido a distância e às dificuldades de transporte, permite o desenvolvimento das forjas que, em 1817, somam 13. Os trabalhadores e comerciantes percebendo o abalo econômico provocado pela abolição da escravatura e a potencialidade local, começam a fabricar instrumentos de mineração e de agricultura, espingardas, tecidos feitos com algodão beneficiado no arraial, arreios produzidos com o couro de seus animais, além de outros objetos. Isso tudo, sem serem ameaçados pelos produtos estrangeiros. Essas novas atividades, pouco a pouco, substituem a exploração do ouro, que em meados do século XIX, começa a escassear.
Em 1825, o povoado é elevado a categoria de freguesia. Surge a necessidade de um templo maior para suprir a demanda demográfica.
Por ser uma região de topografia acidentada, o crescimento urbano dá-se nos locais mais próximos das áreas de mineração e nas estradas de acesso ao povoado, em vista da posição comercial. No encontro das ruas formam praças irregulares e mal-alinhadas e os grandes sobrados fazem parte da paisagem urbana, juntamente com igrejas, chafarizes, hospital e teatro. No ano de 1833, o povoado é elevado a categoria de vila, recebendo finalmente o título de cidade, em 1848. Isso a torna independente de Caeté, a quem até então, respondia administrativamente.
No âmbito econômico, as fábricas têxteis da Pedreira e da Gabiroba, desenvolvem importante papel na economia da cidade. A partir de 1870, elas são impulsionadas pela demanda do município. Essas manufaturas originaram-se das indústrias domésticas e de beneficiamento dos produtos agropecuários.
Em Itabira, nessa época também são cultivados café e uva, essa para o fabrico de vinho. Nesse período, outra conseqüência gerada pela abolição da escravatura é o abandono, por parte dos fazendeiros, da lavoura e a dedicação à pecuária.No início do século XX, começam os investimentos estrangeiros; europeus e norte-americanos; determinados a explorar o minério de ferro. Em 1908, durante o Congresso Geológico Internacional de Estocolmo (Suécia), com a revelação do potencial das jazidas de minério de Minas Gerais o interesse das empresas estrangeiras aumenta. Uma empresa de capital inglês, a Brazilian Hematite Syndica, é a primeira a se instalar no município, em 1909. Um ano depois, essa empresa passa a ser a Itabira Iron Ore Company Limited. Ao término da 1ª Guerra Mundial o controle dessa indústria passa para as mãos de investidores europeus e norte-americanos, liderados pelo empresário americano Percival Farqhuar. Nesse período, Percival tem como objetivo "implantar um complexo siderúrgico e manter um sistema integrado mina-ferrovia-porto". Esse objetivo foi firmado por um contrato assinado a 29 de maio de 1920 entre a Itabira Iron, liderada por Farqhuar, e o Governo Federal.

No entanto, Farqhuar não chega à concretização de seus intentos devido a fatores políticos e a depressão econômica de 1929. Assim, ele não atende às cláusulas do contrato feito entre a empresa e o governo brasileiro de instalar uma siderúrgica, paralelamente à exploração do minério. Em 1939, Farqhuar desmembra a Itabira Iron e cria a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia. Em 1942, com o acordo de Washington e através do Decreto Lei nº 4.352, de 1º de junho do mesmo ano, essa empresa transforma-se na Companhia Vale do Rio Doce, responsável pelo renascimento da exploração de minério de ferro, enfraquecida desde a abolição da escravidão, em 1888.
Como conseqüência da crescente economia local, em 1925, é criada a Associação Comercial de Itabira. Um ano depois, é instalado o Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais S/A, primeira agência bancária do município.
A parte educacional e cultural da cidade também fervilha na primeira metade do século XX. Os encontros literários e musicais e as festas da sociedade são realizados no recém-criado Centro Itabirano; o Teatro, criado na segunda metade do século XIX, apresenta espetáculos de grupos locais; a imprensa conta com 4 jornais (Correio de Itabira, Cidade de Itabira, A Itabira e O Tempo); desde 1911, o município tem um cinema em atividade. Além disso, 3 colégios de 1º e 2º graus, com um ensino considerado de alta qualidade, recebiam os alunos de Itabira e região, na década de 30.
A absorção da mão-de-obra, pela CVRD, fez com que as indústrias têxteis e as pequenas empresa de ferrro entrassem em decadência, nos anos 70. Nessa mesma década, mais precisamente no ano de 1975, Itabira é reconhecida pela Unesco como Cidade Educativa.
Nos anos 80, o cenário brasileiro traz o período de redemocratização do país, de economia instável e superinflação. Já em Itabira, os governantes juntamente com as organizações e instituições municipais discutem propostas para buscar alternativas econômicas que trarão outras empresas para a cidade. Uma das alternativas foi a criação do Distrito Industrial de Itabira.
Fonte: Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Minas Gerais (IPAC)

Casa



Há de dar para a Câmara,
de poder a poder.
No flanco, a Matriz,
de poder a poder.
Ter vista para a serra,
de poder a poder.
Sacadas e sacadas
comandando a paisagem.
Há de ter dez quartos
de portas sempre abertas
ao olho e pisar do chefe.
Areia fina lavada
na sala de visitas.
Alcova no fundo
sufocando o segredo
de cartas e baús
enferrujados.
Terá um pátio
quase espanhol vazio
pedrento
fotografando o silêncio
do sol sobre a laje,
da família sobre o tempo.
Forno estufado
fogão de muita fumaça
e renda de picumã nos barrotes.
Galinheiro comprido
à sombra de muro úmido.
Quintal erguido
em rampa suave, flores
convertidas em hortaliça
e chão ofertado ao corpo
que adore conviver
com formigas, desenterrar minhocas,
ler revista e nuvem.
Quintal terminando
em pasto infinito
onde um cavalo espere o dia seguinte
e o bambuzal receba
telex do vento.
Há de ter tudo isso
mais o quarto de lenha
mais o quarto de arreios
mais a estrebaria
para o chefe apear e montar na maior comodidade.
Há de ser por fora
azul 1911.
Do contrário não é casa.

(Drummond)

A casa onde Drummon viveu.

O Criador



A mão de meu irmão desenha um jardim
e ele surge da pedra. Há uma estrela no pátio.
Uma estrela de rosa e de gerânio.
Mas seu perfume não me encanta a mim.
O que respiro é a glória de meu mano.

Drummond

(Jardim interno da casa onde viveu Drummond, localizada na Praça do Centenário - este é o jardim descrito no poema, todo trabalhado pelo irmão do poeta.)

Paredão



Uma cidade toda paredão
Paredão em volta das casas.
Em volta, paredão, das almas.
O paredão dos precipícios.
O paredão familiar.

Ruas feitas de paredão.
O paredão é a própria rua,
onde passar ou não passar
é a mesma forma de prisão.

Paredão de umidade e sombra,
sem uma fresta para a vida.
A canivete perfurá-lo,
a unha, a dente, a bofetão?
Se do outro lado existe apenas
outro, mais outro, paredão?

(O Paredão - junto a Rua Tiradentes, em frente ao casarão da família.)

José





E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

(A casa de Amarilles, o grande amor de José - irmão de Drummond. Este era um local onde aconteciam grandes festas, saraus, reunia toda a "família tradicional mineira" - lembrando que Amarilles, ou Lili - era prima de José. Hoje abriga o Hotel de Itabira)

Sobrado do Barão de Alfié




Este é o Sobrado.
Existem outros, mas não se chamam
o Sobrado, peremptoriamente.

A escada de duas subidas já define
sua importância: lembra um trono.
É casa de barão, entre plebeus.

Sob a cimalha vejo a estatueta
de louça lusitana, vejo os vasos
de azul-vaidade, contra o azul do céu.

As sacadas, onde pairam minhas primas
acima das procissões, jovens olímpicas
entre vôo e terra.

Ó século glorioso 19,
reinante no Sobrado, onde a quadrilha
estronda as tábuas do soalho, mal sabendo
que outro tempo chegou para levar
na dança o que é sobrado e contradança.

Drummond

(Sobrado do Barão de Alfié ou Casarão dos Andrade, hoje o Hotel de Itabira).

Caminhos drumondianos...

Faz algum tempo que venho postando poemas e ou imagens de Itabira, terra natal de Drummond e também minhas raízes. A partir de hoje, vamos fazer um passeio pela cidade e para acompanhar - poemas do Poeta para ilustrar os caminhos por onde transitamos.

sexta-feira, setembro 14, 2007


"Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!"
(Fernando Pessoa)

Foto: Brassaï, Miroir rond, c. 1932-1934

Hoje me despedi do pessoal do Orkut, como é difícil dizer adeus - fiz tantos amigos lá, espero que continuemos a manter contato... Um beijinho no coração de todos, Bel.

"...E aprendi que se depende sempre de tanta, muita, diferente gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. E é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar(é tão bonito quando a gente pisa firme nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos. É tão bonito quando a gente vai à vida nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração)E aprendi..." (Gonzaginha)

Foto: Melanie, por Cartier-Bresson, 1978.

em algum lugar do mundo...


Um lugar que quero conhecer - quando retornar a Portugal, é Óbidos, acho que nem preciso dizer por que...

quinta-feira, setembro 13, 2007

ENTRE O SER E AS COISAS



Onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.

As almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que é de natureza corrosiva.

N´água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

E nem os elementos encantados
sabem do amor que os punge e que é, pungido,
uma fogueira a arder no dia findo.

(Drummond)

Imagem - Celorico da Beira - Pt.

Hás de amar eternamente...


LIRA ROMANTIQUINHA
Drummond

Por que me trancas
o rosto e o riso
e assim me arrancas
do paraíso?

Por que não queres,
deixando o alarme
(ai, Deus: homens*!),
acarinhar-me?

Por que cultivas
as sem perfume
e agressivas
flores do ciúme?

Acaso ignoras
que te amo tanto,
todas as horas,
já nem sei quanto?

Visto que em suma
é todo teu,
de mais nenhum*,
o peito meu?

Anjo sem fé
nas minhas juras,
porque é que é
que me angusturas?

Minh'alma chove
frio, tristinho.
Não te comove
este versinho?

*No verso original falava “mulheres”/"nenhuma", troquei por “homens”/"nenhum".
Hás de amar eternamente, por saudades, uma imagem dividida, flores oferecidas e um verso silencioso...

audio-textos


Mia Couto – Estórias abensonhadas. 4ª ed. Lisboa: Caminho, 1999.
- A guerra dos palhaços (lido por Adelina F. Pinto)
Som disponível: (download mp3 1,5Mb)

- Os infelizes cálculos da felicidade (lido por Fernanda Neves)
Som disponível: (download mp3 3,3Mb)

Miguel Torga– Contos da montanha.9ª ed. Lisboa: Lisboa: Dom Quixote, 1999
- Amor (lido por José Mendes Serrasqueiro)
Som disponível: (download mp3 4,5Mb)

(
Acervo da Biblioteca Municipal e do Centro Municipal de Cultura e Desenvolvimento de Vila Velha de Ródão - Pt.) / Foto de António Mateus, Castelo do Rei Wamba.

A Queda


E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.

Se acaso em minhas mãos fica um pedaço de oiro,
Volve-se logo falso.., ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente dum tesoiro,
Morro à mingua, de excesso.

Alteio-me na cor à força de quebranto,
Estendo os braços de alma- e nem um espasmo venço!...
Peneiro-me na sombra - em nada me condenso...
Agonias de luz eu vibro ainda entanto.

Não me pude vencer, mas posso-me esmagar,
- Vencer às vezes é o mesmo que tombar -
E como inda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...
..............................................................................

Tombei...

E fico só esmagado sobre mim!...
(Mário de Sá Carneiro)

[ in Poesias de Mário de Sá Carneiro. Editora Nova Ática - Lisboa, pág. 79 a 80
Foto de Dias dos Reis - Sá Carneiro, no Parque dos Poetas, em Oeiras - Pt.
Durante julgamento, Renan Calheiros volta a culpar a mídia pela crise
Redação
Portal IMPRENSA
Apesar de estar bloqueada a participação de jornalistas na sessão secreta do julgamento de Renan Calheiros, absolvido pelo Senado Brasileiro na tarde da última quarta-feira (12), o blog do jornalista Ricardo Noblat traz descrições de todos os momentos do julgamento, em textos assinados por quem Noblat chamou de "Repórter Secreto".
Em sua defesa, que segundo informações do "Repórter Secreto" durou mais de 15 minutos, Renan Calheiros voltou a afirmar que não existem provas para a sua condenação e, mais uma vez, culpou a mídia pela crise por que passa o país e a perda de credibilidade do Senado.
Renan Calheiros, presidente do Senado, estava sendo acusado de ter suas despesas pessoais pagas por um lobista da Mendes Júnior, Cláudio Gontijo, de ter favorecido a Schincariol na compra da fábrica de refrigerante de seu irmão, que estava prestes a fechar, e ainda de ter sido sócio de um jornal e duas emissoras de rádio em nome de laranjas. Calheiros foi absolvido ontem, por 40 votos contra 35, que queriam a condenação. A votação contou com seis abstenções.

RENAN ABSOLVIDO
Duas agressões à sociedade

Por Alberto Dines em 13/9/2007 - Observatório da Imprensa.

Foram duas as agressões: a primeira, escancarada, foi a absolvição do presidente do Congresso, Renan Calheiros, que segundo a Polícia Federal cometeu vários ilícitos. A segunda agressão, mais grave, aterradora, pode ser chamada de "apagão" institucional. O Senado da República foi convertido desde a terça feira num verdadeiro porão – fechado, lacrado, blindado ao escrutínio da sociedade, ilha autoritária em plena Praça dos Três Poderes.

A varredura eletrônica do plenário, a proibição do uso de computadores pelos senadores, a recomendação para que os celulares fossem desligados e finalmente o pugilato entre os leões-de-chácara e os deputados que foram autorizados pelo STF a assistir ao julgamento desvendam a razão do secretismo da sessão: impedir a presença da mídia.

Renan Calheiros e os cangaceiros de todo o país que o apóiam sabiam que a presença da imprensa seria a única força capaz de impedir a absolvição. Apostaram todas as fichas no sigilo. Não se importavam em agredir a sociedade, só não queriam testemunhas.

Os malfeitores trabalharam no escuro, eles têm prática, ganharam o primeiro round. Nos próximos, será diferente – terão que ser travados às claras.

quarta-feira, setembro 12, 2007

" me tira daqui que eu não sei nadar"

VERGONHA
Renan Calheiros foi absorvido da acusação de Decoro Parlamentar.

Solda - O Estado do Paraná.

Por 40 votos a 35, Renan mantém o mandato após processo sobre acusação de receber ajuda financeira de lobista.

...vale do aço ...



Ipatinga
- Minas Gerais -
onde meus pais me criaram

Educação pela pedra


"Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, freqüentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma".

(de João Cabral de Melo Neto)

Foto: Sta. Bárbara - MG.

...de onde vem os meus...



Itabira
- Minas Gerais -
minha terra natal

O nome Itabira veio do tupi-guarani e significa 'pedra empinada', 'pedra erguida', 'pedra em pé' (Itá = pedra, Bira = empinado, ereto, que se ergue). O nome nasceu do Pico do Cauê, que por conta da extração de minério durante décadas - acabou e hoje, reside apenas na lembrança de todos os itabiranos e daqueles que tiveram o privilégio de conhecer.

Para Viver Um Grande Amor


Vinicius de Moraes

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher… — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o “velho amigo”, que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor…

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer “baixo” seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

(Texto extraído do livro “Para Viver Um Grande Amor”).

Salvador Dali, em Muchacha de Espalda.

O que será



Chico Buarque /1976 - (À flor da pele)

"O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo"

Foto: Agatha Katzensprung.


"Mas que dizer do poeta
Numa prova escolar?
Que ele é meio pateta
E não sabe rimar ?
Que veio de Itabira,
Terra longe e ferrosa ?
E que seu verso vira,
De vez em quando, prosa ?
Que é magro, calvo, sério
(na aparência ) e calado,
com algo de minério
não de todo britado?
Que encontrou no caminho
Uma pedra e, estacando,
Muito riso escarninho
O foi logo cercando?
Que apesar dos pesares
Conserva o bom-humor
Caça nuvens nos ares,
Crê no bem e no amor ?

Mas que dizer do poeta
Numa prova escolar
Em linguagem discreta
Que lhe saiba agradar?"

(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, setembro 11, 2007

Coração de estudante



(Milton Nascimento e Wagner Tiso)

Quero falar de uma coisa
Adivinha onda ela anda?
Deve estar dentro do peito
Ou caminhar pelo ar

Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor

Já podaram seus momentos
Desviaram seu destino
Seu sorriso de menino
Quantas vezes se escondeu

Mas renova-se a esperança
Nova aurora a cada dia
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê flor e fruto

Coração de estudante
E há que se cuidar da vida
E há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade

Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes: planta e sentimento
Folhas, coração, juventude e fé

(...passei o dia a escutar Milton Nascimento - muito bom!)

Foto: JK - ex presidente do Brasil, com Milton Nascimento e o pessoal do Clube da Esquina.

Beatriz



(Música de Edu Lobo e Chico Buarque - na voz de Milton Nascimento)

"Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva para sempre Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Pra sempre é sempre por um triz
Ai, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se um arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida".

(Sempre me emociono ao escutar esta música, alias escutar Milton Nascimento é renovar a jornada, retornar ao princípio - as montanhas de Minas).


Foto: Órgão da Sé da cidade de Mariana - por Eduardo Trópia.

... Porque eu amo tudo isto...





Ouro Preto
- Minas Gerais -
Patrimônio Cultural da Humanidade.

Fotos de Germano Neto.
Site da cidade / Site de Turismo.

Solda Cáustico



Solda - O Estado do Paraná.

"... o mundo é feito de pequenos nadas..."

Foto de João Matos, no deserto de Marrocos.

Linha Retta



Logo criada pelo Solda, para o Rettamozo.

O Pequeno Príncipe






Le Petit Prince , conhecido como O Pequeno Príncipe - aqui no Brasil e ou O Principezinho - em Portugal, é um livro de Antoine de Saint-Exupéry, publicado em 1943. O texto do livro, está disponível online aqui.

"Nós somos feitos do tecido de que são feitos os sonhos".
(William Shakespeare)
Norma Shearer, em Romeu e Julieta.

"O que temos dentro de nós é o essencial para a felicidade humana".
(Arthur Schopenhauer)


"A gente todos os dias arruma os cabelos: por que não o coração?"
(Provérbio chinês)

Foto de Agatha Katzensprung


Seis anos depois do atentado às Torres Gêmeas, em NY, devemos pensar...

"Pagai o mal com o bem, porque o amor é vitorioso no ataque e invulnerável na defesa".

(Lao-Tsé)

Cartoons de Bob Gorrell

Para ser grande, sê inteiro



por Ricardo Reis

"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive".

Foto de Alfred Stieglitz, Two Towers — New York, 1911.

"11 de setembro"


CREPÚSCULO EM NEW YORK



(Vinicius de Moraes)

Com um gesto fulgurante o Arcanjo Gabriel
Abre de par em par o pórtico do poente
Sobre New York. A gigantesca espada de ouro
A faiscar simetria, ei-lo que monta guarda
A Heavens, Incorporations. Do crepúsculo
Baixam serenamente as pontes levadiças
De U.S.A. Sun até a ilha de Manhattan.
Agora é tudo anúncio, irradiação, promessa
Da Divina Presença. No imo da matéria
Os átomos aquietam-se e cria-se o vazio
Em cada coração de bicho, coisa e gente.

E o silêncio se deixa assim, profundamente...

Mas súbito sobe do abismo um som crestado
De saxofone, e logo a atroz polifonia
De cordas e metais, síncopas, arreganhos
De jazz negro, vindos de Fifty Second Street.
New York acorda para a noite. Oito milhões
De solitários se dissolvem pelas ruas
Sem manhã. New York entrega-se.

Do páramo
Balizas celestiais põem-se a brotar, vibrantes
À frente da parada, enquanto anjos em nylon
As asas de alumínio, as coxas palpitantes
Fluem langues da Grande Porta diamantina.

Cai o câmbio da tarde. O Sublime Arquiteto
Satisfeito, do céu admira sua obra.
A maquete genial reflete em cada vidro
O olho meigo de Deus a dardejar ternuras.
Como é bela New York! Aço e concreto armado
A erguer sempre mais alto eternas estruturas!
Deus sorri complacente. New York é muito bela!
Apesar do East Side, e da mancha amarela
De China Town, e da mancha escura do Harlem
New York é muito bela!

As primeiras estrelas
Afinam na amplidão cantilenas singelas...
Mas Deus, que mudou muito, desde que enriqueceu
Liga a chave que acende a Broadway e apaga o céu
Pois às constelações que no espaço esparziu
Prefere hoje os ersätze sobre La Guardia Field.




New York - por Henri Silberman.