terça-feira, agosto 28, 2007

ENTREVISTANDO QUINTANA




Entrevista ao Suplemento Literário Minas Gerais, em 1986.

SL - Qual a diferença entre o menino Mário e o poeta Quintana?
MQ - Nenhuma.

SL - Você consegue lembrar o primeiro poema? E o que escreveu hoje, como é?
MQ - Não consigo lembrar. Comecei a fazer versos logo que aprendi a ler. O poema decerto não prestava. Mas o poema de um menino-poeta é sempre o melhor poema do mundo. Não deixo por menos. Pois é o primeiro e deslumbrado encontro de uma alma com a poesia. Quanto ao poema de hoje, prefiro não citar, porque há o perigo de ter havido um desencontro...

SL - O que mais o irrita nos outros? E em si mesmo?
MQ - As perguntas íntimas. As respostas evasivas.

SL - Agradam-lhe as belas mulheres. A primeira musa, quem foi? E a Bruna, de que maneira entrou no rol dos seus amores?
MQ - A Bruna é, antes de tudo, a minha mascote (desde 1976, sempre um acompanha o outro nas tardes de autógrafos). Nossos amores? Mas a Bruna não me ama: apenas adora-me! Isto porque um desencontro de fusos horários abriu uma diferença de 48 anos entre nós...
Uma pena! Mas felizmente o tempo nos deu tempo de nos encontrarmos ainda nesta vida, de nos tornarmos grandes amigos. Não posso queixar-me... Porque a Bruna é dessas criaturas que compensam a vida.

SL - Você, que traduziu Proust, anda em busca do tempo perdido, ou lhe satisfazem as raparigas em flor de agora?
MQ - Tempo perdido não quer dizer tempo morto: ele ressuscita sempre. E muitas vezes está mais vivo do que o tempo presente. Quanto às raparigas em flor de agora, para mim são as mesmas de outrora: devem ser a terceira ou quarta geração das raparigas em flor do meu tempo. Podem dizer que hoje há diferenças de costumes, de comportamento... mas os seus truques, manhas e negaças continuam os mesmos...

SL - O futuro, como o imagina?
MQ - O futuro é uma espécie de banco, ao qual vamos remetendo, um por um, os cheques de nossas esperanças. Ora! Não é possível que todos os cheques sejam sem fundos...

SL - E a sua visão do outro mundo? De Deus, deuses e dos anjos? Do Diabo?
MQ - Oportunamente saberei... Tenho até muita curiosidade - mas nenhuma pressa - de saber como será o outro mundo. Deus está em toda parte. Mas por que procurá-lo no mundo exterior? Se ele está em toda parte, está dentro até de cada um de nós e a cada um compete descobri-lo, dar-lhe a maior parte possível em nossa vida terrena. Do contrário, o nosso Deus interior pode até morrer, como acontece com os ateus, os positivistas, todos os materialistas. Eles não sabem que são o sepulcro de Deus.
A falar a verdade, não importa que a gente acredite ou não em Deus, mas se Deus acredita na gente. Da minha parte, só acredito mesmo é na segunda Pessoa da Santíssima Trindade, no Deus Vivo, pois temos testemunho histórico de que Jesus Cristo viveu entre nós. Quanto aos deuses pagãos, morreram de fato, pois os poetas deixaram de invocá-los. Dos Anjos não posso absolutamente duvidar, em vista da insistência com que aparecem em meus poemas.
Santo da minha devoção? São Jorge, com seu Cavalo e seu Dragão. Sou devoto dos três.

SL - Sobreviveu a vida inteira de escrever: em jornais, revistas, traduzindo excelentes livros e, claro, como poeta. Se viesse ao Mundo de novo, escolheria o mesmo modo de viver (e de sobreviver)?
MQ - O mesmíssimo modo, sem tirar nem pôr.

SL - Que obras e/ou autores mais ama ou amou?
MQ - Todas elas.

SL - Considerado feiticeiro e mágico, o que sente ante o mistério de criar?
MQ - Deslumbramento e susto. Digo susto, porque na verdade nunca passei de um aprendiz de feiticeiro.

SL - A solidão é o silêncio de um bar cheio de gente?
MQ - A solidão é o silêncio que a gente faz dentro de si mesmo, em qualquer ambiente, seja barulhento ou não.

SL - Você bebe ou não bebe? Fuma ou não fuma?
MQ - Bebia. Fumo.

SL - Certa vez, ao receber convite de Manuel Bandeira para visita-lo no Rio, respondeu que sim, iria e ainda teria dito: “Seu desejo é uma ordem, mas nem imagina como sou chato nos intervalos dos meus poemas.” É verdade, se acha chato quando não em estado de graça?
MQ - Os outros é que me acham chato quando estou em estado de graça.

SL - E os palavrões, fazem parte de seu vocabulário? Em que circunstância costuma proferi-los?
MQ - Só quando me pisam os calos, ou com dizem os gaúchos, só quando me pisam no poncho.

SL - Uma confissão inédita, por favor.
MQ - Ela continua inédita, exatamente por ser inconfessável.

SL - Você, acostumado a caminhar pelas noites (e dias) e ruas de Porto Alegre, até naquelas em que nunca andou, estranha o uso da bengala, após seu acidente na perna?
MQ - O único inconveniente do uso da bengala é que chama muito a atenção. Não gosto de chamar a atenção.

SL - No Quem É Quem, está registrado que Mário Quintana é “um patrimônio universal”. Como encara a prova concreta de sua imortalidade?
MQ - Eu sempre me considerei cidadão do mundo. Mas patrimônio universal? Aí cantam outros passarinhos... Se alguém se considerar patrimônio universal, só se for um louco ou... um gênio. Não sou nenhuma das duas coisas. Acontece é que estou na moda - o que me desvanece e me assusta um pouco, pois vivo a perguntar-me: “Até quando durará essa imortalidadezinha?”

SL-Como é o seu processo de criação? Há momento (um estado especial) ou é a toda hora?
MQ – Vem a qualquer momento, como um relâmpago. O problema é fixar o relâmpago. Aí vem a luta do poeta com as palavras, até que estas expressem o que ele queira dizer. No fundo, a poesia é isto: a eternização do momento.

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