quarta-feira, dezembro 06, 2006

POEMA DO DESPERTAR - Esman Dias















I

Hoje, redivivo,

compartilho a mim:
meu suor meu sangue,
minha fé no fim;
meu sonhar meu sonho,
meu gerir meu corpo,
meu ganir descalço,
meu crescer já morto.

Tudo o que retive

dos que me guardaram
foram minhas vinhas,
meus amores raros,
minha noite insone,
minha noite imune,
minha face exangue
que a meu Deus me une.

Hoje, redivivo,
sofro nova luz:
não que me atormente
- mas que me inaugura;
não que me incendeie
nem que me torture,
mas que distribua
sem que me conclua
nada em minhas veias.

Hoje, sou sem peias :
besta libertada
a trotar no verde
seu relincho claro.

II

Hoje já me sobram
naves e galeras.

O que dantes era
parte da quimera
já me sobra à porta;
pouco agora importa;
minha luta é minha.

Hoje já me vejo
com meus olhos novos
Hoje já me posso reconstituir
no suor fecundo

do que lavra a terra,
na visão que erra

sem saber errar.

III

Hoje me desperto
nesse olhar do homem,
nesse amar do homem,
no morrer do homem
- Hoje, redivivo,
sou palavra e fome.

IV

Hoje não relincho
por temor ao vento :
mais do que invento,
lúcido, descubro
(hoje existo em tudo).

V

Hoje me alimento
mais da minha fome:
donde flua o homem,
nasço e me refaço
- Hoje sou mais tempo
conjugado a espaço.

Pois já não me pesa
tudo o que me sofre:
hoje, sou mais forte:

tudo que circula
corpo e pensamento
revigora o tempo
de manter-me à brisa

se hoje não me pisam
com seus cascos ágeis
meus imaginários
sonhos de paisagem.

VI

Já senti o saltos
em pensar o meio.
Hoje, se receio
retornar ao muro,
sinto-me seguro.

Sinto-me maduro
para o meu comando:
seguirei uivando,
recriando estradas,

que hoje não sou nada
do que já me fora
mais que morte, amor,
mais que sombra, cor,
mais que luz, inverno:
hoje, redivivo
para sempre - eterno.

2 comentários:

Anônimo disse...

magnífico poema de um grande poeta.

Ramos Sobrinho disse...

Muito bom, muita sensibilidade numa época em que se usa de anestesiar todos os rebanhos da pólis...
Ramos Sobrinho