terça-feira, abril 24, 2007

Dona Doida



"Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove".


(Adélia Prado)
(Extraído do livro "Poesia Reunida". Editora Siciliano - 1991, São Paulo, página 108.)

Foto: Lina Faria
(
http://www.olhodarua55.com/ )

Nenhum comentário: