segunda-feira, abril 23, 2007

Primos de primos


- José -

"E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?"
(Carlos Drummond de Andrade)

Não é de se estranhar que em Itabira, "todo mundo é parente de todo mundo" - é que tinham a estranha mania de casar entre primos. Diz a lenda, que quando foi fundada a cidade, existia cerca de 30 famílias e estas, foram casando entre si. Para não misturar e ou perder o sobrenome, casavam-se na família mesmo - meus avós paternos, por exemplo, são primos em primeiro grau. A história dos poemas de Drummond na família, assim como este acima - "José" - foi por conta de um destes amores entre primos, e é isto que vou contar aqui - parte da história de Amarylles e José...

Estamos nos idos de 1926, o "Sobrado", como era conhecido na família, e que foi construído por Cassemiro Carlos da Cunha de Andrade, pai do Barão de Alfié (vide poste anterior) - se preparava para uma das reuniões familiares, movida a saraus e conversas políticas, visto que o Dr. Olintho, já viúvo nesta época, era o anfitrião, e também o Juiz de Direito e conselheiro na região.

Amarylles, uma das filhas ainda solteiras de Dr. Olintho, aproveitava para vestir um dos modelitos feitos especialmente para ela, pela famosa costureira - Dona Memena - um vestido de seda bege, com sapatos forrados em cetim da mesma cor do vestido.

A tardinha chega e a sociedade itabirana, entre sedas e fragrâncias são recepcionados pelos familiares do Dr. Olintho, para o grande sarau. Da sacada, Amarylles e suas irmãs ficavam a espreita, só apreciando a chegada dos convidados, despertando logo o interesse dos rapazes, sendo que um deles era José, primo de Amarylles e irmão de Carlos Drummond de Andrade.

José ao se aproximar da prima, pega em uma de suas mãos e a beija. Conversam por algum tempo, mas a toda hora alguém chega para cumprimentar a bela moça. Salvo alguns instantes, onde Amarylles é requisitada para tocar uma das belas melodias no piano.

Já no meio da festa, embalados pela valsa que alguns músicos convidados tocavam, José tomou coragem e perguntou a moça se a mesma lhe daria o prazer de uma contradança...

José, que ao contrário de Drummond, não era nada tímido, mantinha sua fala doce, sempre disposto a encantar a prima, isto para alem de ser um dos rapazes mais bonitos naquele salão - com suas sobrancelhas grossas, cabelos pesados e a pele branquinha - mantinha sempre um sorriso a la Don Juan..., pena que isto, não era o bastante para conquistar o coração da beladonna - Amarylles não demonstrava nenhum interesse pelo primo, que era também seu concunhado, visto que sua irmã - Senhorinha Natália, era casada com Flaviano - irmão de José e do Gauche.

A família assistia feliz aquela dança, afinal, ficaria tudo em casa mesmo... A valsa termina e os dois vão para um canto da varanda conversar. José, chega a pedir a moça em casamento, só que a moça se diz muito nova ...

O grande erro de José, foi falar que se eles se casassem ele construiria uma grade de ferro bem grande em frente a casa deles, para que nenhum outro homem chegasse perto da moça. Depois desta, acho que até eu teria um certo temor..., só sei que Amarylles deu um jeito de despistar o primo e sair daquela conversa..., escutou alguns amigos que cantavam uma cavatina e se pôs a juntar-se ao grupo...

Já às três da manhã as pessoas começaram a ir para as suas casas, o sarau já tinha terminado, para alívio de Amarylles...

... O tempo passa, outras festas chegam e eis que Amarylles acaba ficando noiva de um outro primo - Sebastião Araújo, que residia em São José da Lagoa.

Era festa de Corpus Christi, a procissão seguia as ladeiras e contornos da cidade, da sacada Dr. Olintho viu algo estranho em meio as pessoas - ele percebeu a reação de José ao olhar a amada com "outro"... que empurrando os fiéis que seguiam a procissão, chegou a escada lateral do casarão. O Juiz logo gritou para que a filha e o noivo se trancassem em um dos quartos para que assim, ele pudesse resolver aquele "problema familiar".

José foi logo barrado por outros primos e membros da família, completamente desconcertado, ele gritava em alto e bom som que Amarylles era sua. Estava totalmente fora de si. Com muito custo os irmãos conseguiram abrandar a fúria de José, o primo-tio e pai de Amarylles, providenciou uma água com açúcar para acalmar o rapaz.

Do lado de fora, a procissão seguia, com alguns zum zum zum de certas beatas e fofoqueiras de plantão. Já mais calmo, José seguiu seu rumo e foi para a casa, acompanhado de um dos irmãos...

O fato é que esta história toda, foi o motivo que fez com que Drummond criasse o poema acima.

... O que se sabe é que José nunca perdoou Drummond por conta do poema, não podia nem ouvir falar, alias, ficou muito tempo de "cara virada" para o irmão. Para José, já não bastava o dissabor de ter perdido a amada, ainda tinha virado chacota através de um poema feito pelo próprio irmão.
(A Imagem acima é uma foto de quadros que estão na parede do Hotel de Itabira e são respectivamente, Amarylles - a Lili e José - o irmão de Drummond).

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