sexta-feira, junho 29, 2007

Surrealismo



"Por seu lado, Giacometti repetia esta frase com indignação; a seu ver, ninguém tinha ainda conseguido talhar ou modelar uma representação válida do rosto humano; era preciso partir do nada. Um rosto, dizia-nos ele, é um todo indivisível, um sentido, uma expressão; mas a matéria inerte —mármore, bronze, gesso—, pelo contrário, separa-se do infinito; cada parcela isola-se, contradiz o conjunto e destrói — o. Tentava assimilar a matéria até aos limites mais extremos do possível; deste modo, chegara a modelar estas cabeças quase sem volume, onde se inscrevia, pensava ele, a unidade do rosto humano, tal como este se oferece a um olhar realmente vivo. Talvez encontrasse um dia um outro meio de a arrancar à vertiginosa dispersão do espaço: por agora, não soubera inventar senão aquilo. Sartre, que desde a juventude se esforçava por compreender o real na sua verdade sintética, ficou singularmente impressionado com esta procura; o ponto de vista de Giacometti juntava-se ao da fenomenologia, visto que ele pretendia esculpir um rosto em situação, na sua existência em relação a outrem, à distância, ultrapassando assim os erros do idealismo subjectivo e os da falsa objectividade. Giacometti nunca tinha pensado que a arte se pudesse limitar a fazer brilhar as aparências; em compensação, a influência dos cubistas e dos surrealistas tinha-o arrastado, assim como a muitos artistas da época, a confundir o imaginário e o real: durante tempos ele trabalhara não para mostrar a realidade através de uma analogia material mas para fabricar coisas. Agora, criticava nos outros e nele próprio esta aberração. Falava de Mondrian, que, uma vez que as suas telas eram planas, se recusava a nelas inscrever imaginariamente as três dimensões: «Mas», dizia Giacometti com um sorriso cruel, «quando duas linhas se cruzam, há sempre uma que passa por cima da outra: os quadros dele não são planos!» Nunca ninguém tinha ido tão longe neste impasse como Mareei Duchamp, de quem Giacometti gostava muito. A princípio pintava quadros — entre outros o célebre Mariée mise à nu par sés célibataires, même. Mas um quadro só existe pelo olhar que o anima; Duchamp queria que as suas criações se mantivessem de pé sem nenhum auxílio; pôs-se a fazer, em mármore, cópias de bocados de açúcar; estes simulacros não o tinham satisfeito; fez objectos usuais, completamente reais, entre outros um xadrez; depois contentou-se em comprar pratos ou copos e assiná-los. Acabou por cruzar os braços".
(Simone de Beauvoir, em A Força da Idade)
Foto de Henri Cartier-Bresson - Alberto Giacometti - Paris, 1932.

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