sábado, junho 30, 2007

Fernando Pessoa - Carta de Amor 3

23/3/1920
Meu querido Be«be»sinho,

Hoje, com a quasi certeza que o Osorio não te poderá encontrar, pois, além de ter que esperar aqui pelo Valladas, tem naturalmente que ir levar assucar a casa de meu primo, quasi que de nada me serve escrever-te. Vão, em todo o caso, estas linhas, para o caso de sempre ser possivel fazer te chegar a carta ás mãos.
Ainda bem que a interrupção de ainda agora foi mesmo no fim da nossa conversa, quando iamos despedir-nos. Era justamente para evitar interrupções d'essas que eu escolhi o caminho por onde hoje iamos. Amanhã esperarei à mesma hora, sim Bébé? Não me conformo com a idéa de escrever; queria fallar-te, ter-te sempre ao pé de mim, não ser necessário mandar-te cartas. As cartas são signais de separação - signais, pelo menos, pela necessidade de as escrevermos, de que estamos affastados.
Não te admires de certo laconismo nas minhas cartas. As cartas são para as pessoas a quém não interessa mais fallar: para essas escrevo de boa vontade. A minha mãe, por exemplo, nunca escrevi de boa vontade, exactemente porque gosto muito d'ella.
Quero que sintas isto, que saibas que eu sinto e penso assim a este respeito, para não me achares secco, frio, indifferente. Eu não o sou, meu Bébé-menininho, minha almofadinha côr-de-rosa para pregar beijos (que grande disparate!)
Mando um meiguinho chinez.
E adeus até amanhã, meu anjo.
Um quarteirão de milhares de beijos do teu, sempre teu

Fernando
O Osorio leva o chinez dentro de uma caixa de phosphoros.

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