sexta-feira, junho 29, 2007


"Minha pobreza tal é
que não trago presente grande:
trago para a mãe caranguejos
pescados por esses mangues
mamando leite de lama
conservará nosso sangue.
Minha pobreza tal é
que coisa alguma posso ofertar:
somente o leite que tenho
para meu filho amamentar
aqui todos são irmãos,
de leite, de lama, de ar.
Minha pobreza tal é
que não tenho presente melhor:
trago este papel de jornal
para lhe servir de cobertor
cobrindo-se assim de letras
vai um dia ser doutor.
Minha pobreza tal é
que não tenho presente caro:
como não posso trazer
um olho d'água de Lagoa do Cerro,
trago aqui água de Olinda,
água da bica do Rosário.
Minha pobreza tal é
que grande coisa não trago:
trago este canário da terra
que canta sorrindo e de estalo.
Minha pobreza tal é
que minha oferta não é rica:
trago daquela bolacha d'água
que só em Paudalho se fabrica.
Minha pobreza tal é
que melhor presente não tem:
dou este boneco de barro
de Severino de Tracunhaém.
Minha pobreza tal é
que pouco tenho o que dar:
dou da pitu que o pintor Monteiro
fabricava em Gravatá".
(Trecho de Morte e Vida Severina , de João Cabral de Melo Neto)
Foto de Cido Marques, na Oficina Olho da Rua, de Lina Faria.

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