
Meu pai está preso. A fotografia dele que mais gosto é a que está no porta-retratos na estante do quarto – ele e mãe , dançando no "Baile dos Brotinhos". Seus olhos ainda jovens sorriam para a vida que se iniciava. Contemplo este mesmo olhar, quando acende seu cachimbo e deixa a fumaça dissolver os contornos. Em meio à neblina, onde a realidade se torna encanto, ele entra em seu mundo de sonhos.
Existem vários tipos de prisões. Vindo de família tradicional mineira, pai, foi homem de negócios rico e perdeu tudo. Mas como a neblina do cachimbo, não mais enxergou a realidade, se desfez em sonhos, e mora no passado, dentro da fotografia - em minha estante. Alberto Caeiro sabia que o ontem é um tipo de cárcere - quando vivo no passado, não consigo me enxergar no hoje:
"A recordação é uma traição à natureza.
Porque a natureza de ontem não é natureza.
O que foi não é nada, e lembrar não é ver.
Cada dia é uma nova vida, muitas possibilidades.
Mas a lembrança do que fui não me deixa enxergar o novo.
Estou coberto de saudades".
Como Adélia Prado diria: “O que a memória amou fica eterno”. Tentei entender sobre prisões, ausência e saudades. Meu pai talvez tenha medo de perder seu passado, ele não aprendeu que o que somos ninguém nos rouba, porque está eternizado em nossa alma. E me lembrei do poema de Drummond:
"Por muito tempo achei que ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não há lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
Que rio e danço e invento exclamações alegres,
Porque a ausência, essa ausência assimilada,
Ninguém a rouba de mim".