
I
Hoje, redivivo,
compartilho a mim:
meu suor meu sangue,
minha fé no fim;
meu sonhar meu sonho,
meu gerir meu corpo,
meu ganir descalço,
meu crescer já morto.
Tudo o que retive
dos que me guardaram
foram minhas vinhas,
meus amores raros,
minha noite insone,
minha noite imune,
minha face exangue
que a meu Deus me une.
Hoje, redivivo,
sofro nova luz:
não que me atormente
- mas que me inaugura;
não que me incendeie
nem que me torture,
mas que distribua
sem que me conclua
nada em minhas veias.
Hoje, sou sem peias :
besta libertada
a trotar no verde
seu relincho claro.
II
Hoje já me sobram
naves e galeras.
O que dantes era
parte da quimera
já me sobra à porta;
pouco agora importa;
minha luta é minha.
Hoje já me vejo
com meus olhos novos
Hoje já me posso reconstituir
no suor fecundo
do que lavra a terra,
na visão que erra
sem saber errar.
III
Hoje me desperto
nesse olhar do homem,
nesse amar do homem,
no morrer do homem
- Hoje, redivivo,
sou palavra e fome.
IV
Hoje não relincho
por temor ao vento :
mais do que invento,
lúcido, descubro
(hoje existo em tudo).
V
Hoje me alimento
mais da minha fome:
donde flua o homem,
nasço e me refaço
- Hoje sou mais tempo
conjugado a espaço.
Pois já não me pesa
tudo o que me sofre:
hoje, sou mais forte:
tudo que circula
corpo e pensamento
revigora o tempo
de manter-me à brisa
se hoje não me pisam
com seus cascos ágeis
meus imaginários
sonhos de paisagem.
VI
Já senti o saltos
em pensar o meio.
Hoje, se receio
retornar ao muro,
sinto-me seguro.
Sinto-me maduro
para o meu comando:
seguirei uivando,
recriando estradas,
que hoje não sou nada
do que já me fora
mais que morte, amor,
mais que sombra, cor,
mais que luz, inverno:
hoje, redivivo
para sempre - eterno.